Enganados pelos nossos ‘desgovernos’
Vestibular, muito estudo, passei para Medicina! Na universidade, encaro a realidade de livros caros, estágios e plantões altamente cansativos. Professores e sociedade sempre cobrando resultados. Após três anos, termino a minha residência, faço um concurso público e vou para um bom hospital. Salário pequeno, mas estou começando. Faço uma opção: vou me dedicar full time ao serviço público; oito horas diárias no mínimo.
Início de vida, pequenas dívidas, mas acredito no governo que votei. O tempo passa e começo a sentir dificuldades: filhos, custos, poucos ganhos e muito esforço. Barafunda da minha cabeça! Insônia…
Acordo para a realidade e vejo que os “desgovernos” não olham para os lados nem para frente, apenas para cima. Céu azul! Nada está acontecendo na saúde.
Os políticos e outras entidades, que mais parecem imunes às regras do próprio país, vão aumentando seus salários e incrivelmente, a verba aparece. Quando há necessidade de votação, acordos são feitos. É o famoso “é dando que se recebe”.
É revoltante ver a elite engravatada, pernas bem cruzadas, falando calmamente, filosofando como se fossem os donos da verdade. É lógico que com os seus salários, os seus problemas financeiros estão resolvidos. Viajam para todos os cantos, se hospedam em ótimos hotéis, fazem suas políticas com os “auxílios-qualquer coisa” e verbas para os seus gabinetes. Será que eles têm insônia?
O tempo se passou e nada foi feito. Abandono geral. Os serviços estão desintegrados, os profissionais abandonando o serviço ou se aposentando precocemente. Os novos contratados têm que trabalhar em vários empregos para sobreviver. É muito difícil valorizar o serviço no qual trabalham. disposição de outrora dos novos é substituída pela total falta de interesse dos que começam a trabalhar hoje. Abandonam o hospital pouco tempo depois.
Com quem conversar e planejar o futuro da saúde? Senadores, deputados, ministros, governadores e prefeitos, cada um falando um idioma, trocando acusações ou se omitindo. Às vezes, cenas pirotécnicas para logo depois a situação cair no esquecimento. Subalternos geralmente levam a culpa: diretores de hospitais caem como se fossem culpados da situação da saúde.
Não basta apenas fornecer materiais básicos para os hospitais e achar que tudo está resolvido. Interesse e qualificação não vêm sem os reconhecimentos profissional e financeiro necessários.
Estamos abandonados: só resta pedirmos a Deus pela sua proteção. Às pessoas que fazem política na saúde desejo que, num momento de urgência, encontrem tudo aquilo que cultivaram: portas das emergências fechadas, falta de material e pessoal. Assim, sentirão na pele tudo aquilo que nosso povo sente todos os dias. Neste dia, o sistema estará vingado.
Segundo capítulo: coronavírus, a quem culpar? A quem cobrar? Não basta sermos chamados de HERÓIS. O estresse faz parte do nosso dia a dia e da nossa profissão. Faço este alerta em nome da classe médica esquecida, desprestigiada, desvalorizada e desprotegida.