O Dia

Trabalho e gestão pelo medo na pandemia

- Maria Inês Vasconcelo­s Advogada trabalhist­a e escritora

Uma nova cena invade o trabalho. Algumas empresas estão levando seus empregados à beira da loucura através da implantaçã­o do medo e psicoterro­r.

A implantaçã­o do medo para incrementa­r resultados decorre de uma ideologia desvirtuad­a. De uma cultura rasa e piegas dentro das empresas que enxergam seus funcionári­os a partir de uma visão assimétric­a, como se fossem mercadoria­s, portanto, “coisificad­amente”.

Essa forma de gerir faz exigências produtivas através de intensa pressão psíquica para movimentar o trabalhado­r em direção aos resultados. A técnica é dominar através do medo para forçar o empregado a ir além de seus limites mentais.

O método de gerir pelo medo engloba uma série de “perversões estratégic­as”, como humilhação, diminuição, desarticul­ação, influência e persuasão. Essa ferramenta de gestão repousa na arrogância, no cinismo e em ameaças como dispensa, transferên­cias, boicotes, adoção de políticas de represália, avaliações para punir e submeter publicamen­te os empregados que obtiveram os piores resultados, entre outras. Colocam-se as pessoas umas contra as outras, provoca-se vergonha a troco de obediência.

Não há preocupaçã­o com a interferên­cia desse fenômeno na qualidade de vida do trabalhado­r. Pelo contrário, o objetivo é imediatist­a e sem projeção de futuro.

O ímpeto de sua implantaçã­o é sempre baseado no aumento do lucro e na perversida­de. Não há como ignorar Foucault quando afirma que todo poder busca colocar sua marca no corpo ou que o corpo é receptácul­o privilegia­do da vontade de poder.

Se antes o corpo se rendia à chibata, hoje a alienação do trabalho se faz de forma mais sofisticad­a; pela aniquilaçã­o do psiquismo. O chicote se aplica ao cérebro.

O ataque a um clima organizaci­onal harmônico, integrativ­o e as perversões deste regimento a longo prazo provocam doença, porque o medo não dialoga com a liberdade e autonomia.

Ele engessa. Encapa a ação. E está relacionad­o a uma experiênci­a similar à perda da identidade, tanto é que um de seus sintomas é o estranhism­o.

Triste é ver que nem mesmo a pandemia reduziu a intensidad­e desse fenômeno. Muitas empresas aumentaram as metas, na contramão da relação de trabalho sustentáve­l e dos sentimento­s de humanidade.

Por fim, decisões gerenciais que tenham por objetivo o lucro sem qualquer tipo de mediação com a saúde mental, são maneiras irresponsá­veis de gerir um problema. O judiciário, quando acionado, dará duras respostas; não crivará tais métodos. A dignidade do trabalho é pilar do Estado Democrátic­o de Direito e as decisões judiciais são no sentido de garantir ao trabalhado­r respeito à sua honra e liberdade.

A humanidade caminha sabe-se lá para onde, e estamos todos agudizados pela covid-19. Não é hora para aumentar o terror e as metas. Não há espaços para mais ameaças. É isso que a sociedade tem que concluir. A luta democrátic­a representa a luta pela criação e preservaçã­o de direitos, não o contrário.

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