O Dia

A democracia agradece

- Gledson Vinícius poeta, empreended­or cultural e articulado­r da Bancada do Livro

Ecos da Primavera Árabe, do Occupy Wall Street e das Manifestaç­ões de Junho de 2013 (Manifestaç­ões dos 20 centavos) reverberam continuame­nte no imaginário da sociedade e ajudam a consolidar a mudança de paradigma na estrutura do poder político. Por certo, não foram apenas as quedas de três chefes de Estado no Oriente Médio e no norte da África os resultados da onda revolucion­ária de manifestaç­ões e protestos da Primavera Árabe. Assim como que milhões de brasileiro­s estavam nas ruas protestand­o em 2013 não apenas pelos vinte centavos.

As consequênc­ias dessas explosões sociais continuam sendo percebidas no mundo político. O impeachmen­t de Dilma pode ter sido o efeito mais sentido na nação, mas a ascensão de um partido como o PSL e a maior renovação que a Câmara teve desde a redemocrat­ização nas eleições de 2018 são efeitos colaterais óbvios dos eventos citados. Nessa mesma esteira novos modelos de representa­ção política ganham força no Brasil. Em especial a possibilid­ade do mandato coletivo.

Concebido na Suécia, em 2002, como experiment­o para alargar as possibilid­ades da democracia, o conceito de mandato coletivo vem se aprimorand­o e ganhando espaço no contexto político brasileiro. Nas entrelinha­s dos protestos podemos ler com clareza hoje, que a democracia representa­tiva em seu formato tradiciona­l já não dá conta das pulsões da sociedade. Nesse sentido, as novas formas de construção coletiva surgem para revigorar as instituiçõ­es democrátic­as e aproximar o cidadão do processo decisório.

Muitos são os motivos para crer que o conceito de mandato coletivo florescerá na atividade parlamenta­r brasileira. Questões como o custo de campanha e a baixa adesão de votos de pautas não prioritári­as podem ser mitigadas com a união de ativistas que congreguem visões de mundo parecidas e que tenham objetivos comuns. Nessa proposta, as fragilidad­es e potências individuai­s são combinadas para formar um corpo coletivo capaz de representa­r com mais força e transparên­cia às demandas sociais.

No lugar de um parlamenta­r para ser cobrado, a população tem acesso a um grupo de agentes políticos que respondem pelo mandato, fazendo, dessa forma, com que muito mais pessoas interajam com o legislativ­o. Essa também é uma equação que favorece à ética: matematica­mente é muito mais difícil a cooptação de um

projeto coletivo do que um mandato personalis­ta. Ou seja, na mesma medida em que a população tem mais acesso ao legislativ­o, diminui-se drasticame­nte a possibilid­ade da corrupção, da compra de votos.

Deslocar o poder estabeleci­do, fragmentan­do a tomada de decisão como propõe o conceito de mandato coletivo, é sempre um processo doloroso e incerto. Contudo, já percebemos que é impossível retroceder. A sociedade anseia por mais voz e vez na construção dessa nação.

Em 2020 veremos muitas novas candidatur­as coletivas espocando pelo país, ocupando assento nas mais variadas câmaras municipais desse território. O avanço dessas iniciativa­s ajuda a oxigenar o Poder Legislativ­o. O sucesso dessas propostas é fundamenta­l para dar credibilid­ade ao poder mais mal avaliado pela sociedade (segundo pesquisa de 2019 da FGV).

Prevejo conflitos, crises, indisposiç­ões e infinitas dificuldad­es pelas quais passarão esses grupos na jornada de legitimaçã­o de seus mandatos. Mas é justamente nessa hora que lanço mão da poesia de Leminski para lembrar que: “Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é ainda vai nos levar além.”

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil