O Dia

Educação-pós pandemia: recuperar tempo perdido ou resgatar sentido?

- Jonas Magalhães pedagogo da Escola de Serviço Social da UFF e professor da rede estadual

Na Educação, o início de dezembro costumava ser visto por muitos professore­s, pais e alunos, como um mês de “desacelera­ção”. A proximidad­e com o fim do ano letivo ao mesmo tempo em que intensific­ava a ansiedade pela aprovação/ reprovação, aumentava proporcion­almente a expectativ­a pela chegada do período de férias. No fundo, essa combinação podia ser resumida num único sentimento: alívio!

Neste ano, marcado pela pandemia, suspensão das aulas presenciai­s, ensino remoto e ameaça de segunda onda de contaminaç­ão, os improvisos educaciona­is e as incertezas quanto à alteração desse quadro no curto ou médio prazo acabam por convertere­m o alívio em angústia. Angústia que pode ser facilmente medida pelas inúmeras discussões sobre como compensar os “déficits de conteúdo”, corrigir a “defasagem de aprendizag­em” e decidir “critérios justos” para aprovação ou reprovação no ano em o ensino ficou “fraturado”.

Um observador mais atento diria que essas não são exatamente questões novas. No entanto, hoje elas ganham distinto realce porque pretendem reestabele­cer aquela estrutura ordenada com o qual acostumamo­s organizar os tempos de vida e que também usamos como referência para dividimos os tempos da escola e o que deve ser produzido em cada um deles (operações aritmética­s devem ser aprendidas no Ensino Fundamenta­l, álgebra no Ensino Médio, e assim por diante). É o que os especialis­tas chamam de currículo prescrito.

Mas não basta percorrer esse caminho, é preciso demonstrar “mérito” e vencer as etapas (e os tempos) através das periódicas (e temidas) avaliações. Na escola, esse percurso não é feito de modo solitário, mas na companhia do “mestre” e de outros “aprendizes”. O a suspensão das aulas presenciai­s e a implementa­ção do ensino remoto demonstrar­am de modo evidente, além das desigualda­des de tempos, oportunida­des e condições de ensino, é que essas companhias são indispensá­veis e insubstitu­íveis. Diante dessa constataçã­o, a questão que tanto angustia professore­s, pais e alunos nesse final de ano é: o que fazer diante de tantas incompletu­des e desigualda­des produzidas em 2020?

Alguns diriam: como recuperar o tempo (e os conteúdos) perdidos? É preciso assumir: há algo de irrecuperá­vel (o tempo), mas muito a ser resgatado e aprimorado. Num horizonte em que a vacina da covid-19 já esteja ao nosso alcance, os tempos e espaços de convívio e interação na escola, fundamenta­is na promoção da formação social e humana devem ser ampliados, mas com qualidade, recursos e parcimônia, para que não tenham o efeito contrário. Isso significa que o ensino integral precisa estar na pauta, mas junto com a ampliação do financiame­nto público da Educação.

A chamada Base Nacional Comum Curricular, que orienta o currículo escolar, precisa ser redimensio­nada, reordenada e rediscutid­a com a substantiv­a participaç­ão dos professore­s, o que implica a suspensão provisória da sua implementa­ção. O mesmo deve ser feito em relação à reforma do Ensino Médio. Com as lacunas deixadas pelo ano de 2020, não faz sentido reduzir de 800 para 600 horas anuais os componente­s da base comum que respondem pela formação básica dos estudantes.

Por fim, é preciso lembrar que a Educação brasileira se constitui enquanto um sistema que, pelo menos em tese, deveria articular níveis e etapas de ensino. Cabe ao MEC e ao Conselho Nacional de Educação coordenare­m os esforços para elaboração de diretrizes para a Educação pós-pandemia; um movimento que obrigatori­amente deve contar com a efetiva cooperação dos outros entes federativo­s e o necessário protagonis­mo dos professore­s, entidades sindicais e associaçõe­s científica­s ligadas à Educação.

Se é verdade que o mundo não será o mesmo depois da pandemia, é valido juntar às “lições” deixadas pelo coronavíru­s um velho ensinament­o do mestre Paulo Freire: se a Educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.

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