SIDNEY REZENDE
Os prós e os contras de uma possível regulamentação dos jogos de azar no Brasil
Um dos assuntos mais sensíveis no Brasil trata da regulamentação dos jogos de sorte e de azar, como conduzir a dinâmica das apostas, funcionamento de cassinos e legalização do jogo do bicho. O tema voltou a ser relembrado agora que o Congresso sinaliza com reformas em vários setores. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Local, Luiz Carlos Prestes Filho foi o organizador de um livro chamado “Teoria das Probabilidades - no jogo, na ciência e nas políticas Públicas”, que discute justamente os prós e contras para a sociedade se o Brasil se predispusesse a debater algo que ele conhece dos jogos oficiais da Caixa Econômica Federal e das esquinas com as bancas pertencentes a grupos comandados por contraventores.
Herdeiro do lendário líder comunista, Luiz Carlos Prestes Filho é autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra - 30 anos do Sambódromo” (2015) e ex-coordenador dos estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002).
O Congresso promete mudanças estruturais na economia. Você considera oportuno retomar a discussão sobre a regulamentação de jogos de apostas?
Temos que combater o desemprego e a fome no Brasil. A curto prazo, é importante viabilizar atividades econômicas que tirem o povo do abandono. Neste contexto, permitir a exploração de jogos de apostas em dinheiro pela iniciativa privada contribui para empregar milhares de pessoas. A cadeia produtiva dos cassinos, bingos e jogo do bicho regulamentada daria uma nova dinâmica para o turismo, para as indústrias de games, de entretenimento e cultura. Design, arquitetura, transporte, bares e restaurantes, dentre outros serviços, seriam beneficiados. Indústrias de softwares e de móveis, de eletrônica e de robótica também. Abriríamos novos campos de estudos científicos nas universidades e centros de inovação tecnológica.
Você acredita que o Rio poderia se beneficiar turisticamente com a legalização dos cassinos?
Faz anos que destaco que todos os ativos econômicos do Rio deveriam ser valorizados. Reviver os Cassinos da Urca e do Quitandinha, por exemplo, certamente fortaleceria a economia e a autoestima dos cariocas e dos petropolitanos. Temos que empoderar territórios e abandonar as teses daqueles que durante os governos Cabral, Pezão e Crivella privilegiaram o petróleo e o gás, menosprezando o potencial da Economia da Cultura. Temos que valorizar o legado do economista Carlos Lessa, que abraçou nossos ativos culturais e dizia que era fundamental investir no encadeamento produtivo, interligar todas as redes empresariais, entender as mesmas como um só organismo. Tem uma frase dele, em um dos meus livros que gosto de destacar: “O petróleo é finito e a cultura não!”
O jogo pode viciar?
Ele pode viciar como o poder vicia! Hoje, o político acabou de ser eleito presidente e, antes de realizar qualquer coisa, já começa a lutar pela sua reeleição. O álcool vicia, o fumo e o sexo, também. A questão é ter consciência desse fato e criar mecanismos para minimizar os efeitos nocivos para a sociedade. Somente com a regulamentação, poderemos saber quem são os viciados e criar políticas públicas para tratar do problema, com parte dos recursos que serão arrecadados através de impostos. Não nos enganemos: há hoje centenas de bingos e cassinos clandestinos espalhados pelo país, sem falar nos sites de apostas que não geram arrecadação de impostos, pois não estão sediados em solo nacional.
Se os jogos de apostas fossem legalizados no Brasil, você entende que eles deveriam ser administrados pelo estado ou pela iniciativa privada?
Esta questão deve ser analisada cuidadosamente pelo Congresso Nacional. Tenho para mim que deveríamos criar uma Agência Nacional Reguladora de Jogos de Apostas em Dinheiro. Temos as agências nacionais de Vigilância Sanitária, de Energia Elétrica, de Petróleo e Gás, de Cinema e das Águas. Com uma agência, poderemos elaborar normas disciplinadoras, fiscalizar, defender os direitos do consumidor, acompanhar a gestão de contratos de concessão e incentivar a concorrência para evitar o surgimento de monopólios.
Você sempre foi um estudioso dedicado à Economia da Cultura, da música e do Carnaval. Como esses setores se beneficiariam de uma nova legislação para os jogos de apostas?
Com os jogos regulamentados no Brasil, os músicos, intérpretes, bailarinos, maestros, cenógrafos, artistas plásticos, técnicos de som e audiovisuais teriam novos espaços para prestação de seus serviços. É claro que todos os elos da cadeia produtiva da Economia da Cultura seriam beneficiados. Com o jogo do bicho regulamentado, a viabilidade econômica do carnaval de todo o Brasil poderia ser resolvida. Se hoje o jogo do bicho, através dos patronos das escolas de samba, como Anísio Abraão David (G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis), Ailton Guimarães Jorge (G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel), Jaider Soares (G.R.E.S. Grande Rio) e Marcelo Kalil (G.R.E.S. Viradouro), já contribui para o Carnaval, imagine com a regulamentação! Temos que acabar com a hipocrisia, disse um dos maiores empresários das comunicações do Brasil, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, quando perguntei a ele sobre a regulamentação dos jogos. Seria injusto aqui não reconhecer os investimentos realizados no Carnaval pelo Luizinho Drummond, no G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense, e pelo Natal da Portela e Carlinhos Maracanã, no G.R.E.S. Portela. Essas são todas pessoas fundamentais para a cultura brasileira. Tanto que concordo com o Zeca Pagodinho que o jogo do bicho deve ser tombado como Patrimônio Imaterial nacional.
Jogos de apostas livres e regulamentados têm relação com o exercício da democracia e com a defesa do Estado de Direito?
É inadmissível que em uma democracia como a nossa ainda vigorem leis e decretos da época da ditadura do Estado Novo e da ditadura militar. Temos que enterrar o entulho autoritário do Brasil e aprovar uma legislação que leve em consideração a realidade atual, que é plural e dinâmica. Recentemente o Chile deu um exemplo para todos os países da América Latina que viveram ditaduras ao longo do século 20: anulou todos os efeitos das leis do regime autoritário de Augusto Pinochet. Temos que ter a coragem de dar esse passo no Brasil para podermos renascer como nação.
A cadeia produtiva dos cassinos daria uma nova dinâmica para o turismo”
Somente com regulamentação, poderemos saber quem são os viciados e criar políticas públicas”
Com o jogo do bicho regulamentado, a viabilidade econômica do carnaval poderia ser resolvida”