O Dia

A RENOVAÇÃO DOS ATRITOS COM A CHINA

- Cesário Melantonio Neto

Em um novo ataque gratuito contra Pequim o governo federal detona os recentes esforços do Itamaraty para desfazer o mal-estar com chineses. Na anterior administra­ção da chancelari­a brasileira chegamos ao ponto de pedir a retirada do embaixador da China no Brasil, senhor Yang Wanming.

Essa política suicida de atritos constantes com o gigante asiático em nada beneficia os interesses nacionais e se constitui um obstáculo para o Brasil obter a liberação dos insumos de vacinas por parte desse importante parceiro. Na semana passada o ministro da Economia afirmou que “o chinês inventou o vírus” e agora o próprio presidente sugere que o vírus foi criado artificial­mente pelos chineses no contexto de uma possível guerra química, bacterioló­gica e radiológic­a. No cenário global essa retórica foi usada amplamente pelos trumpistas.

Essa tese do Planalto de que a covid-19 foi criada em laboratóri­o não tem apoio da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), outro alvo costumeiro da artilharia do Executivo brasileiro. Uma diplomacia para Saúde não pode funcionar com isolamento internacio­nal e ataques às instituiçõ­es multilater­ais. O isolamento brasileira­s leiro no sistema internacio­nal é único em comparação com a história e aos padrões da nossa política exterior.

A ênfase na “nova” política exterior afastou o Itamaraty da tradição da Casa de promover o acesso a recursos de poder acumulados desde o processo de redemocrat­ização. As vantagens competitiv­as brasino cenário global foram dilapidada­s nesse processo de falência sistêmica. As relações internacio­nais envolvem hoje e cada vez mais questões de Saúde pública além da ativação de redes de interação, conhecimen­to e negociação.

O isolamento mundial a que o Brasil foi submetido pelo executivo federal teve consequênc­ias graves quando a pandemia extinguiu a ativação de uma rede de contatos que foi sabotada pelo próprio governo. Essa postura tem sido particular­mente nociva no caso da China por ser um provedor indispensá­vel de recursos necessário­s ao combate da pandemia. Como principal mercado para as exportaçõe­s brasileira­s, construímo­s uma relação sólida desde os anos 1990 que foi abalada com o uso de redes sociais para culpar Pequim pela crise sanitária global.

O termo “vírus chinês” foi utilizado de maneira incompatív­el com os usos e costumes da vida diplomátic­a em diferentes momentos. Os esforços da atual gestão do Itamaraty para recuperar a relação entre as duas nações podem fracassar caso essa sabotagem nas possibilid­ades de diálogo com o governo chinês continue por parte de altas autoridade­s de Brasília.

Uma das tarefas do Ministério das Relações Exteriores é exercer o seu papel constituci­onal de incentivar a cooperação internacio­nal com os nossos parceiros e junto aos outros ministério­s envolvidos nas políticas públicas de Saúde. A diplomacia da vacina converteu-se em uma nova vertente da política internacio­nal.

O uso de expressões como “comunavíru­s” ofende outros países gratuitame­nte no momento em que mais precisamos de uma eficaz diplomacia sanitária. O isolamento global brasileiro pode ser empecilho à obtenção das vacinas contra a pandemia. Faço votos para que essa visão “antiglobal­ista” desapareça do governo federal em prol do reconhecim­ento da necessidad­e de uma maior cooperação multilater­al.

A China está se voltando para a África e já credenciou 31 frigorífic­os nos Estados Unidos de quem importa cada vez mais soja, carne bovina, frango, porco e suco de laranja. Pequim está desviando suas importaçõe­s do Brasil para a União Europeia, Canadá e Estados Unidos. No futuro, será cada vez mais difícil renovar contratos e atrair investimen­tos chineses.

Enquanto os Estados Unidos e a China, seguidos pelas maiores potências europeias, buscam o cresciment­o mundial com melhores ações contra a pandemia, o Brasil patina economicam­ente e se move com dificuldad­e em razão dos repetidos erros cometidos pelo governo federal. Os erros e omissões da equipe do atual presidente têm favorecido a difusão do coronavíru­s e de suas variantes.

A insistênci­a em persistir nesses erros e nessas omissões mantém o Brasil em enorme desvantage­m na competição internacio­nal com os países que enfrentam a crise sanitária com seriedade, sem estímulos a aglomeraçõ­es e sem relaxament­o prematuro das condições de segurança.

O Brasil também se destaca negativame­nte, nessas comparaçõe­s, pela propaganda oficial de remédios inúteis e pela pregação de um indefensáv­el “tratamento precoce”. Nenhuma pessoa séria pode atribuir as fraquezas da Economia brasileira às medidas de segurança contra pandemia.

Nesse contexto diplomátic­o, econômico e sanitário os ataques desferidos contra a China resultaram logo no atraso do fornecimen­to de matéria-prima para vacinas do Instituto Butantan e da Fiocruz, além de reclamação oficial sobre a politizaçã­o do vírus pelo executivo federal.

Entre janeiro e abril deste ano, diversas remessas de insumos chineses foram retidas pelo governo de Pequim em retaliação à postura brasileira com a desculpa diplomátic­a que eram meros entraves burocrátic­os. Com tudo isso, o Brasil arrisca-se a obter mais descrédito em Pequim anulando o bônus da saída do último chanceler no momento em que mais precisamos de vacinas e em que os perigos de um blecaute no setor, em junho, são reais.

Coluna publicada às sextas-feiras

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ARTE KIKO
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