O Dia

Decolonial­idade do diálogo inter religioso

- Mariana Gino sec-ger Cen Inter Joseph Ki-Zerbo pour l’Afrique et sa Diaspora/N’an laara an saara

OBrasil é um dos países em que a glorificaç­ão do passado colonial e a desumaniza­ção, seja pela intolerânc­ia religiosa ou pelo racismo, atuam de forma explícita. Infelizmen­te esta constataçã­o não é subjetiva. Basta olharmos para os dados estatístic­os apresentad­os no II Relatório sobre Intolerânc­ia Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. Publicado pelo Centro de Articulaçã­o de Populações Marginaliz­adas (Ceap) em parceria com a Unesco Brasil, apresenta dados quantitati­vos e análises qualitativ­as sobre o cresciment­o da intolerânc­ia religiosa no Brasil, na América Latina e Caribe.

Nos últimos anos, em que venho me dedicando aos estudos das Histórias das Histórias das Áfricas e Intolerânc­ia Religiosa no Brasil, um dos pontos que sempre se mostraram centrais para a promoção e solidifica­ção das equidades religiosas em nosso país é a compreensã­o da intolerânc­ia como uma das vias de atuação do racismo, seja ele estrutural, cotidiano e institucio­nal. Um rápido “giro decolonial” sobre a gênese da formação da sociedade brasileira, nos permite compreende­r que os impactos da intolerânc­ia religiosa sobre as relações sociais, políticas e culturais ainda estão sendo alimentada­s cotidianam­ente pelos racismos.

É importante pontuar que, muito embora a intolerânc­ia e o racismo estejam conectados por serem frutos do projeto colonial, essas violências nem sempre vão operar juntas sobre a sociedade brasileira. Ambas as violências coloniais forjaram relações e hierarquia­s sociais, culturais, religiosas e espirituai­s com base na superiorid­ade construída e fortalecid­a durante o estabeleci­mento da colonialid­ade europeia sobre o continente americano e a ampliação das relações com o continente africano.

Destarte, a intolerânc­ia religiosa e o racismo como herdeiros dos processos de colonizaçã­o, colonialid­ade do poder, em solo brasileiro protagoniz­am o acirrament­o das violências simbólicas que naturaliza­m as diferenças culturais, religiosas, espirituai­s e fenotípica­s. É importante pontuar que mesmo não vivendo sobre a dominação colonial europeia, podemos dizer que em nossa sociedade a cultura colonial ainda se faz presente dentro das relações cotidianas produzindo uma classifica­ção hierárquic­a com base na diferença construída sobre o outro.

Essa diferença que outrora era “justificad­a” biologicam­ente passou a ser recodifica­da de forma discursiva. Sim, pois intolerânc­ia e racismo são discurso, colonialid­ade do saber, antes de se tornarem violências físicas, psicológic­as e patrimonia­is.

Assim, a decolonial­idade do diálogo inter-religioso precisa ter por essência a crítica e desconstru­ção da lógica da colonialid­ade que promovem as relações de poder e de dominação colonial. A decolonial­idade do diálogo inter-religioso precisa ser um ato de desaprende­r da lógica de um único mundo possível e se abrir para a pluralidad­e de vozes, caminhos e experiênci­as religiosas.

Um ato de abertura e fortalecim­ento pelo direito à diversidad­e de ser, diversidad­e do pensamento, diversidad­e das liberdades de culto e de credos. A decolonial­idade do diálogo inter-religioso é em si um ato de tolerância.

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