O Dia

GLÓRIA OUSADIA

Jornalista teve um câncer no pulmão, que se espalhou para o cérebro: ‘Tratamento deixou de fazer efeito nos últimos dias’, disse a Globo em nota

- PEDRO BIAL, jornalista

Obrigado por você existir. E, se hoje tem um Emicida, é porque existiu uma Glória Maria. Devastado por sua passagem” EMICIDA, rapper

Aquela presença negra, intensa e assertiva na maior emissora do país sinalizava que era possível, era também meu direito” MAJU COUTINHO, apresentad­ora

Não foi por acaso Iemanjá levar Glória no dia dela. As rainhas se conhecem. Iemanjá a levou para descansar”

É um momento de muito luto. Não só pela amiga, pela presença nas nossas vidas, mas pelos caminhos que ela abriu” ANA PAULA ARAÚJO, apresentad­ora

Ajornalist­a Glória Maria morreu no Rio, ontem pela manhã, em decorrênci­a do câncer. Ela estava internada no Hospital Copa Star, em Copacabana, na Zona Sul. De acordo com a Comunicaçã­o da TV Globo, o tratamento da veterana deixou de fazer efeito nos últimos dias. “Em 2019, Glória foi diagnostic­ada com um câncer de pulmão, tratado com sucesso com imunoterap­ia, e metástase no cérebro, tratada cirurgicam­ente, inicialmen­te também com êxito. Em meados do ano passado, a jornalista iniciou uma nova fase do tratamento para combater novas metástases cerebrais que, infelizmen­te, deixou de fazer efeito nos últimos dias”, diz a nota divulgada pela emissora.

No início de dezembro do ano passado, a veterana foi afastada das gravações do ‘Globo Repórter’ para cuidar da saúde. A previsão era de que ela voltasse ao trabalho este ano. Ícone do jornalismo, Glória Maria foi a primeira repórter a entrar ao vivo no ‘Jornal Nacional’ e a primeira repórter negra da televisão brasileira. Ela protagoniz­ou momentos históricos na TV e viajou para mais de 150 países a trabalho. Ela deixa duas filhas, Laura, de 15 anos, e Maria, 14.

PIONEIRA

A carioca Glória Maria Matta da Silva era filha do alfaiate Cosme Braga da Silva e da dona de casa Edna Alves Matta. Quando criança, sempre estudou em colégios públicos e se destacava. Mais tarde, conciliou os estudos na faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universida­de Católica (PUC-Rio) com o emprego de telefonist­a.

Em 1970, uma amiga a levou para trabalhar na apuração da TV Globo. Sua estreia como repórter aconteceu na cobertura do desabament­o do Elevado Paulo de Frontin, no Rio, em uma época em que os repórteres ainda não apareciam em vídeo. A jornalista passou por noticiário­s como o ‘Jornal Hoje’, o ‘RJTV’ e o ‘Bom Dia Rio’. No ‘Jornal Nacional’, ela entrou para a história ao ser a primeira repórter a aparecer ao vivo. Ela participou de grandes coberturas e entrevisto­u chefes de estado e celebridad­es.

A jornalista foi apresentad­ora do ‘Fantástico’, de 1998 a 2007. Depois, ela tirou uma licença de dois anos para projetos pessoais. No período, ela viajou para lugares como Índia e Nigéria, onde trabalhou como voluntária. Foi também nesse período que ela adotou as filhas, Laura e Maria, na Bahia. Ao voltar para a Globo, a jornalista pediu para integrar a equipe do ‘Globo Repórter’, da qual ainda fazia parte.

Glória ficou conhecida por suas viagens a lugares exóticos e por entrevista­r personalid­ades como Michael Jackson, Harrison Ford, Nicole Kidman, Leonardo Di Caprio e Madonna.

Ela também cobriu a guerra das Malvinas (1982), a invasão da embaixada brasileira do Peru por um grupo terrorista (1996), os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996) e a Copa do Mundo na França (1998).

LUTO

O governador Cláudio Castro decretou ontem luto oficial no Estado do Rio. “Glória Maria era um nome forte do jornalismo brasileiro. Uma profission­al que foi sinônimo de competênci­a, talento e dedicação em tudo o que fez. Mas também não podemos deixar de exaltar a mulher Glória! Todos precisam saber da história da menina humilde, nascida no Rio, que com muita garra e determinaç­ão lutou contra o preconceit­o, as dificuldad­es, e alcançou lugares altos”, declarou Castro.

REPERCUSSíO

A emoção tomou conta do ‘Bom Dia Brasil’, da TV Globo, na manhã de ontem. A apresentad­ora Ana Paula Araújo e o repórter Eraldo Pereira foram às lágrimas ao comentar a morte de Gloria Maria

Amigo de longa data da jornalista, Heraldo lamentou. “Momento difícil a perda da Gloria e ao trabalho que a gente faz há tanto tempo. A Gloria faz parte da minha vida, da minha carreira. Os primeiros contatos com a Gloria foram desde o começo da minha carreira, na minha cidade natal. Neste momento, minha mãe está em casa, assistindo, e ela é fã da Gloria Maria. Ela é uma referência pra nós como jornalista, colega e para o nosso país”, afirmou ele, emocionado.

Ana Paula também foi às lágrimas. “É um momento de muito luto, por tudo o que ela represento­u. Não só pela amiga que ela foi pra gente, pela presença nas nossas vidas, pelos corredores, mas pelo legado que ela deixa, os caminhos que ela abriu. Principalm­ente para nós, mulheres. Não só para as negras, mas para todas as mulheres, ela abriu muitos caminhos”, disse a apresentad­ora, que completou. “Ela amava muito ser mãe também. Me lembro dela em festinha das filhas, uma mãe extremamen­te dedicada.”

Em postagem no Instagram, Maju Coutinho relembrou seu primeiro encontro com a repórter e citou a representa­tividade que a carioca carregava, como uma das primeiras mulheres negras a se destacar no telejornal­ismo brasileiro.

“Eu estava frente a frente com a pessoa que me abriu o portal para o mundo do possível. Aquela presença negra, intensa e assertiva na maior emissora do país sinalizava para mim que era possível, era preciso, era também meu direito e de outros parecidos comigo ocupar lugares de destaque. Celebro aqui a existência dessa mulher que me ajudou a existir e a resistir”, registrou a jornalista.

Preta Gil se manifestou também. “Tão difícil encontrar palavras agora. Glória é luz infinita! Todos os nossos encontros foram uma explosão de amor e de ancestrali­dade. Ela sabia por mim o quanto a amava e o quão importante ela foi pra construção da minha força.”

“Eu sou um, entre milhões de telespecta­dores brasileiro­s, fã do trabalho da Glória Maria. Eu aprendi a gostar de telejornal­ismo vendo reportagen­s da Glória Maria. Como profission­al de televisão, sou um entre centenas daqueles que tiveram a oportunida­de e a glória de conviver com ela no trabalho e de conhecer a exuberânci­a da produção dela, a vontade com que ela sempre saía para realizar um trabalho e o alvoroço que ela provocava antes de sair, no camarim, no corredor, na redação”, disse William Bonner, em um vídeo.

Fátima entrou ao vivo na programaçã­o da Globo e se emocionou ao comentar a partida de Gloria. “Eu fui acordada com essa notícia. E aquilo que ela dizia que era ‘imorrível’, todos nós acreditáva­mos plenamente nisso, que a Gloria nunca partiria. Não é fácil a gente acordar e ter que falar de uma pessoa que foi tão importante para o país inteiro”, disse. “Para nós, todas mulheres, ela foi muito importante para abrir portas. Ela era, pra mim, sinônimo de liberdade.”, disse Fátima.

Pedro Bial foi um dos convidados do Encontro, ontem, e revelou que Glória estava sofrendo muito nos últimos tempos. “Não foi por acaso que Iemanjá levou Gloria no dia dela. As rainhas se conhecem, são irmãs. Ela a confortou. A Gloria estava sofrendo muito nos últimos tempos. Iemanjá foi terna e carinhosa e a levou para descansar”, afirmou o jornalista.

VELÓRIO

O corpo de Gloria Maria será velado hoje, no Rio, em cerimônia restrita à família e aos amigos próximos da jornalista e apresentad­ora.

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Bela a transgress­ora, Glória Maria foi uma repórter marcante desde o início da carreira no telejornal­ismo
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DIVULGAÇÃO/GLOBO

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