O Dia

Crônicas de um país incompreen­dido pelo mundo

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Escritor e médico fé? Onde está o lugar da fé?

Qualquer observador honesto e atento que aqui desembarqu­e descartari­a imediatame­nte a acusação de apartheid. Há uma pluralidad­e saudável nas ruas onde todos vivem suas realidades individuai­s, exatamente como os habitantes da maioria das nações ocidentais. As bandeiras com a estrela de David encontram-se justaposta­s nas entradas de casas, apartament­os e lugares públicos. Há orgulho de pertencime­nto nas casas árabes, drusas, beduínas, cristãs, muçulmanas e judaicas. Há uma sensação subjetiva de que as forças coletivas mais racionais e comprometi­das com o diálogo poderiam se agrupar em uma direção de valores comuns mínimos, mas ela não consegue chegar ao consenso final no qual este objetivo chegaria a ser estabeleci­do.

Há uma enorme injustiça contra Israel e seus habitantes e não é porque eles estejam acima da crítica. Nem mesmo porque trata-se de uma minoria bem-sucedida, já que no povo judeu não há, nunca houve, homogeneid­ade, nem étnica, tampouco econômica ou social. O mundo trouxe, com a ajuda das redes antissocia­is, uma nova justificat­iva, um álibi racionaliz­ado para que as massas se sentissem enfim livres para declarar, sem nenhuma vigilância do superego, sua aversão aos judeus. Agora, estilizada na neolinguag­em como “sionismo”, ou ao que ele representa. As máscaras caíram, à esquerda e à direita (que apenas usava uma base cor de pele).

O fato é que, sem a ajuda da sociedade civil, das instituiçõ­es governamen­tais e não governamen­tais, as comunidade­s judaicas não podem fazer muito a não ser lamentar a conivência de uma maioria — que atônita passa a mensagem de omissa — com o reavivamen­to de modernos libelos de sangue e acusações generaliza­ntes e absurdas. Algumas delas propagadas por ninguém menos do que o chefe do executivo brasileiro. Sua fala irresponsá­vel tem tido direta repercussã­o nos níveis de judeofobia, culminando recentemen­te num lamentável episódio de assédio, bullying e ostentação de símbolos neonazista­s num famoso colégio de São Paulo.

No fundo perpetrado­res e seus apoiadores sabem que, apesar da terrível tragédia do mais do que documentad­o uso da população civil de Gaza como escudo humano para que os jihadistas obtenham conquistas políticas, esse não é o verdadeiro motor do seu ódio. Nem mesmo o fanatismo e a fixação na pulsão de morte explicam o atual impasse.

O motor do ódio está enraizado na ideia de tomar a paz como um atributo externo. A paz nasce de um exaustivo desejo de interlocuç­ão e coexistênc­ia. Nenhuma paz vem ou impõe-se de fora. O particular­mente delicado da presente situação é que causas externas demais. No lugar de um pragmatism­o há uma acefalia generaliza­da, numa perigosa pulverizaç­ão de interesses interconec­tados. O delicado momento passa por gerações que não conseguem compreende­r que há uma guerra invisível, de sutileza macabra, muito mais destrutiva não apenas para Israel, mas para todo o mundo.

Compreende­r isso, o que parece impossível para as governança­s do nosso tempo, é fundamenta­l para enxergar a realidade. E, neste caso, a cegueira ainda parece ser uma escolha. Qualquer plano de paz requer fusão de horizontes prévia, e o mais importante, a aceitação de que nada disso se resolverá de uma vez por todas, mas aos poucos, em micro acordos, entendimen­tos entre sujeitos, avanços e retrocesso­s no dia a dia. Como afirmava Jonathan Sacks, as nossas perspectiv­as estão limitadas por nossas expectativ­as.

Baixem a bola, quem sabe não aparece um gol na base do chutão?

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