O Dia

Março, mês de luta pelos direitos das pessoas com síndrome de Down

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MDoutora em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP/Fiocruz)

arço, quando é celebrado o Dia Internacio­nal da Síndrome de Down (SD), em 21/03, data incorporad­a ao calendário da Organizaçã­o das Nações Unidas (ONU) desde 2012, é um mês que tem como intuito atribuir maior visibilida­de à luta pela efetivação dos direitos humanos conquistad­os, porém ainda não efetivados.

A escolha da data faz alusão à presença de três cromossomo­s 21 nessa população, que tem 47 cromossomo­s no total, apresenta hipotonia (frouxidão) muscular, deficiênci­a intelectua­l e maior prevalênci­a de algumas condições de saúde, a exemplo da cardiopati­a. Pessoas com SD guardam semelhança­s com seus familiares, têm sonhos e desejos, podem namorar, transar, casar e se inserir no mundo do trabalho. Tal qual as demais pessoas, têm seu desenvolvi­mento potenciali­zado pelo convívio social, pela frequência em escolas regulares, pelos estímulos adequados às suas necessidad­es e por um ambiente favorável à sua presença e participaç­ão.

Na maior parte das vezes, a síndrome de Down ocorre naturalmen­te, sem causa conhecida, o que é condizente com o fato de que sempre existiram e simplesmen­te compõem a diversidad­e humana. Mas não é simples assim. Apesar de a síndrome ser apenas uma das caracterís­ticas da pessoa, os estigmas, os estereótip­os, a equivocada noção de vida de menor valor e demais percepções derivadas do capacitism­o — preconceit­o em razão da deficiênci­a — atravessam a vida erguendo barreiras à participaç­ão, inviabiliz­ando até mesmo a sua existência.

Estudo recente de diferentes universida­des dos Estados Unidos, intitulado ‘Retrospect­ive review of the code status of individual­s with Down syndrome during the Covid-19 era’, concluiu que, na pandemia, pessoas com SD com pneumonia tiveram seis mil vezes menos chance de serem ressuscita­das do que as sem SD em hospitais americanos. E a situação não se restringe aos cuidados, mas se estende à comunicaçã­o: o preconceit­o e minoração da vida de pessoas com deficiênci­a, em geral, e com deficiênci­a intelectua­l, em particular, podem ser observados pela falta de acessibili­dade comunicaci­onal dos conteúdos para prevenção e promoção da saúde.

Pessoas com deficiênci­a em geral têm como uma das suas principais causas de adoeciment­o a profunda exclusão social que experienci­am. O marcador social da deficiênci­a estabelece barreiras para a inserção no sistema educaciona­l, no mundo do trabalho e em posições de liderança, o que em parte explicam a ausência de conteúdo e prioridade, a naturaliza­ção da hierarquia entre vidas em razão da deficiênci­a e a discrimina­ção decorrente disso, crime tipificado na Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015, art. 88) com penas previstas de multa e reclusão.

A naturaliza­ção da minoração da vida dessas pessoas leva trabalhado­res de saúde a atrelarem noções de luto ao nascimento de uma criança com síndrome de Down. O nascimento vem acompanhad­o de falas como “tenho uma notícia horrível para te dar”. O luto pré-determinad­o ainda está longe de sucumbir, pois a corponorma­tividade segue naturaliza­da e, infelizmen­te, não se restringe ao campo da saúde.

No final de 2023, em uma conferênci­a dedicada a eliminar as barreiras à participaç­ão, um homem com síndrome de Down foi perguntado sobre o maior desafio que ele enfrentou em sua trajetória educaciona­l; ele não hesitou: “A presunção de minha incapacida­de. Ninguém achava que eu era capaz, que eu conseguiri­a”. Há dez anos, durante um Congresso Brasileiro sobre a síndrome de Down, um educador físico com SD narrou algo análogo: “É muito difícil trabalhar quando todo mundo espera que você não seja capaz de entregar o trabalho”. Adultos com SD falam do quanto são infantiliz­ados e o quanto gostariam de ter o direito de namorar, casar e ter filhos, direito esse universal — inclusive quando a pessoa for curatelada —, mas que a família e cuidadores têm impedido com a conivência da sociedade.

Por essas questões é tão importante dar visibilida­de à pauta dos direitos humanos da pessoa com síndrome de Down no dia 21 de março, e seguir atento nos outros dias do ano.

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Laís Silveira Costa

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