O Estado de S. Paulo

Cassação não vai resolver problemas do sistema político

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Omandato do deputado Eduardo Cunha ganhou mais um suspiro com o adiamento ontem da sessão da Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) que discute um recurso quanto à anulação da decisão do Conselho de Ética que definiu a sua cassação. Quem acompanhou o desenrolar da sessão deve ter ficado perplexo com as manobras utilizadas para procrastin­ar a decisão. As idas e vindas do presidente interino Waldir Maranhão quanto ao início da eleição do novo presidente da Câmara foi outra situação deprimente.

Muito disso se deve ao fato de que Cunha, na condição de presidente da Câmara, mobilizou a estrutura administra­tiva da Casa para sua defesa. Ademais, ele conta com um grande contingent­e de deputados que lhe devem favores por intermedia­r os recursos com os quais muitos deles foram eleitos, tal como mostra a Operação Lava Jato.

Apesar de ser o novo “inimigo público número um”, Cunha não é um ponto fora da curva. Talvez ele seja a personific­ação dos vícios em que está mergulhado o sistema político brasileiro. Ele não é o inventor do caixa 2. Tampouco criou o esquema simbiótico que une as empreiteir­as ao sistema político-partidário. Também não foi o pri- meiro político que se enriqueceu, tal como denuncia o Ministério Público Federal. Mas Eduardo Cunha é hoje o ícone da falência do sistema político brasileiro.

Dessa falência surge a proeminênc­ia do Judiciário, que sempre é chamado para resolver problemas que o Legislativ­o se recusa a fazer. O presidenci­alismo de coalizão está moribundo. Todo o sistema carece de representa­tividade. As coligações eleitorais dão margem ao efeito “Tiririca”. O financiame­nto eleitoral abre a porta para a corrupção. Aparatos como clubes e igrejas são manipulado­s escancarad­amente durante as eleições. Há uma profusão de partidos nanicos, que antes de expressar uma parcela da opinião pública são verdadeiro­s balcões de negócios.

A cassação de Cunha não vai resolver nenhum problema de fundo. Apenas dará à opinião pública um boi de piranha para que o sistema continue a se reproduzir. O governo Temer tem inúmeros outros “Cunhas” que se escondem sob o discurso da moralidade e que logo podem ser tragados por operações jurídico-policiais. Uma reforma profunda, nos marcos desse Congresso, mostra-se impossível, visto que são os representa­ntes atuais os beneficiár­ios do caos do sistema político. Cabe perguntar, de onde virá a força para refundar a República? Teremos que esperar por algum Messias?

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