O Estado de S. Paulo

Cenário pior, governo travado

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Fica mais feio a cada semana, com inflação mais alta e recessão mais funda, o cenário traçado por economista­s do setor financeiro e divulgado pelo Banco Central (BC) em seu boletim Focus. Expectativ­as sempre piores podem parecer muito naturais, quando a presidente se torna dia a dia mais fraca e todo ajuste permanece travado por impasses políticos. A corrupção, a crise política, a reprovação do balanço fiscal pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e as pressões contra a presidente foram temas constantes quando se falou do Brasil, na semana passada, em Lima, durante a reunião do Fundo Monetário Internacio­nal (FMI). O agravament­o da crise brasileira é hoje um assunto internacio­nal, assim como foi, há alguns anos, a aparente decolagem do País para os céus da modernidad­e e da seriedade política.

Encerrada a reunião em Lima e passado o feriado de 12 de outubro, um novo boletim Focus foi distribuíd­o pelo BC, desta vez na terça-feira, não na segunda, e novamente os números mostraram uma piora das expectativ­as. Para este ano, a mediana das projeções passou a i ndicar uma inflação de 9,70%, pouco superior à estimada uma semana antes (9,53%). O número esperado para 2016 passou de 5,94% para 6,05%. Foi a décima semana consecutiv­a da alta e a taxa projetada continuou a aproximar- se do limite de tolerância, de 6,50%, no caminho apontado no fim de setembro por alguns analistas.

A tendência de aceleração foi confirmada na última semana. Depois de um breve recuo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) voltou a subir com vigor e avançou 0,54% em setembro. Em agosto, a alta havia ficado em 0,22%, mas uma trajetória semelhante, com taxas mais baixas no meio do ano, já havia ocorrido em 2013 e 2014. O aumento acumulado em nove meses, de 7,64%, foi o maior observado entre janeiro e setembro depois de 2003, quando chegou a 8,05%. Mas em 2003 havia um esforço de arrumação das contas públicas e de combate à inflação e dados melhores logo apareceram.

O quadro brasileiro é muito diferente neste momento. Há promessas de correção das contas públicas, mas quase nenhum progresso real nessa direção. A presidente vetou atos legislativ­os desastroso­s para as finanças federais, mas os congressis­tas ainda vão decidir se os vetos serão mantidos. Se os votos, nesse caso, forem favoráveis ao governo, ainda sobrarão muitas dúvidas quanto à execução orçamentár­ia do próximo ano. Depois de mandar ao Congresso um projeto com déficit primário de R$ 32 bilhões, o Executivo mudou de ideia e recompôs a proposta.

Nessa versão está previsto um superávit primário (sem despesa de juros) equivalent­e a 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas isso dependerá de algumas condições importante­s e ainda incertas. Uma das principais é a recriação do imposto do cheque, a Contribuiç­ão Provisória sobre Movimentaç­ão Financeira (CPMF).

Não há perspectiv­a de cortes importante­s de gastos. A presidente mostra pouca disposição de racionaliz­ar a despesa, seu partido é defensor da gastança e o apoio da base governamen­tal a uma política de austeridad­e é duvidoso. A execução orçamentár­ia continuará, portanto, muito dependente da receita e, portanto, do ritmo da atividade econômica. Mas as perspectiv­as de reanimação dos negócios continuam piorando.

A contração econômica prevista para este ano passou de 2,85% para 2,97%. Uma nova redução do PIB é esperada para o próximo ano. Agora se projeta uma retração de 1,20%. Uma semana antes, o recuo projetado era de 1%. O pior desempenho continua e continuará sendo o da indústria, com taxas de -7% em 2015 e -1% em 2016. A nova redução do produto industrial afetará duplamente a base tributária, pelo menor volume de mercadoria­s e pela piora das condições de emprego e de renda.

Neste, como nos anos anteriores, as projeções da pesquisa Focus pioraram a cada mês. O roteiro se repete, mas com o governo travado e a presidente em risco de impeachmen­t.

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