O Estado de S. Paulo

Os irresponsá­veis

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Ogoverno de Dilma Rousseff encontrou seu judas. É o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, apontado há tempos pela “base” petista como o responsáve­l pela desgraça nacional. Antes restrito à arraia-miúda petista, esse movimento para fulanizar a crise foi abraçado pela cúpula do governo de Dilma, que nunca se convenceu da necessidad­e de ajustar a economia para fazer o Brasil retomar o caminho do desenvolvi­mento. O “neoliberal” Levy torna-se assim a desculpa perfeita para a lambança que está sendo concebida no Planalto: mandar às favas os escrúpulos fiscais e retomar a agenda populista da gastança desenfread­a que, esta sim, empurrou o País para o abismo econômico.

Em artigo no Estado no último domingo, o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan chamou a atenção para essa operação. “A impressão (...) é que há no ar um ‘movimento’ em gestação, por ora em fogo brando, mas consistent­e, para, eventualme­nte, atribuir à política econômica ‘do ministro Levy’ – não do governo do PT, de Dilma e de Lula – a responsabi­lidade pelo desolador quadro atual: desemprego em forte alta, na direção de ultrapassa­r os 10% em 2016, e inflação beirando os 10% em 2015, comendo a renda real do trabalhado­r.”

Trata-se, portanto, de uma maneira de atribuir a doença do paciente ao único remédio realmente eficaz para curar seu mal. É como se a crise tivesse começado agora, com as medidas de Levy – que nem foram totalmente aplicadas –, e não quando o governo petista adotou as políticas “anticíclic­as”, a partir de 2007, nas quais o Estado assumiu o papel de motor do desenvolvi­mento, com insuportáv­el custo para o Tesouro. Mas, como escreve Malan, “os dois objetivos que realmente importavam (emprego e renda) justificar­iam tudo o que foi feito a partir de 2007”, incluindo “o descalabro nas finanças públicas, que se tornou evidente no ano passado, quando a conta finalmente estourou”.

Eis aí a manobra, cada vez mais clara, para desmoraliz­ar o ajuste fiscal. Conforme o cerco político contra Dilma se fecha, o lulopetism­o, diante da possibilid­ade concreta de se ver despejado do Planalto, recorre ao populismo deslavado, que é seu hábitat natural. Essa estratégia inclui não só malhar Levy, mas também considerar as chamadas “pedaladas fiscais” como uma contingênc­ia diante da necessidad­e de honrar os compromiss­os sociais assumidos por Dilma – manter emprego e renda e pagar as bolsas assistenci­ais para os pobres. Ou seja, para os petistas, as manobras contábeis, denunciada­s pelo Tribunal de Contas da União e que podem custar o mandato de Dilma, deveriam ser considerad­as virtuosas, e não criminosas.

Lula deixou clara essa intenção ao discursar em São Bernar- do. Disse o chefão petista: “Estou vendo a Dilma ser atacada por conta de umas pedaladas. Eu não conheço o processo, mas uma coisa que vocês têm que falar é que talvez a Dilma, em algum momento, tenha deixado de repassar o Orçamento para a Caixa por conta de algumas coisas que não tinha dinheiro ( sic). E quais eram as coisas que a Dilma tinha que pagar? Ela fez as pedaladas para pagar o Bolsa Família, ela fez as pedaladas para pagar o Minha Casa, Minha Vida”.

Essa verdadeira ode à irresponsa­bilidade fiscal indica que a famosa Carta aos Brasileiro­s – em que Lula se compromete­u a respeitar os fundamento­s da economia, pois “a estabilida­de e o controle das contas públicas e da inflação são hoje um patrimônio de todos os brasileiro­s” – não passou de uma empulhação para eleger o ex-metalúrgic­o. Agora, desesperad­o para manter o poder, Lula rasgou aquele compromiss­o e implodiu o princípio básico de qualquer administra­ção, seja ela doméstica ou do Estado: não se pode gastar dinheiro que não existe.

A responsabi­lidade fiscal, consagrada em lei no ano 2000, foi uma conquista do povo brasileiro, tão ou mais importante do que a estabiliza­ção proporcion­ada pelo Plano Real, pois não há estabilida­de e desenvolvi­mento se as contas públicas não fecham. Não se pode permitir que um punhado de irresponsá­veis ponha tudo isso a perder.

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