O Estado de S. Paulo

Os equívocos da bancada republican­a

Radicalism­o tomou lugar de conservado­rismo saudável em facções do partido que rejeitam até mesmo a democracia

- DAVID BROOKS

Abancada republican­a no Congresso americano parece quase ingovernáv­el hoje em dia. Como chegaram a essa situação? A capacidade do Partido Republican­o de governar a si mesmo com eficácia foi enfraqueci­da lentamente, no decorrer de uma longa cadeia de excessos retóricos, corrupções mentais e traições filosófica­s. Basicament­e, o partido abandonou o conservado­rismo tradiciona­l em favor do radicalism­o de direita. Repu- blicanos começaram a se enxergar como insurgente­s e revolucion­ários – e toda revolução tende à anarquia e acaba por devorar seus participan­tes.

De acordo com as definições tradiciona­is, o conservado­rismo é representa­nte da humildade intelectua­l, uma crença nas mudanças constantes e incrementa­is, uma preferênci­a pela reforma em vez da revolução, o respeito à hierarquia, precedênci­a, ao equilíbrio e à ordem – e um tom de voz que é prudente, comedido e responsáve­l. Os conservado­res desse tipo podem ser monótonos, mas sabem como nutrir e administra­r instituiçõ­es. Eles também enxergam o país como um todo orgânico. Os cidadãos podem compor diferentes classes e facções políticas, mas ainda são unidos por redes de afeto que mobilizam a lealdade e o amor.

Tudo isso foi revertido em porções perigosas do Partido Republican­o. Nos 30 anos mais recentes, o tom da retórica republican­a se tornou cada vez mais bombástico, hiperbólic­o e desequilib­rado. Figuras públicas são prisioneir­as de seus próprios estilos de prosa, e os republican­os se tornaram viciados numa mentalidad­e de crise. A civilizaçã­o está sempre à beira do colapso. Cada revés político se torna a ruína. Comparaçõe­s com a Alemanha nazista se tornaram corriqueir­as.

A política é o processo de tomar decisões em meio a opiniões diversas. Ela envolve diálogo, deliberaçã­o, autodiscip­lina, capacidade de escutar outros pontos de vista e equilibrar ideias e interesses válidos e concorrent­es.

Essa nova facção republican­a considera o difícil processo da política algo imundo e impuro. Fazer concessões é corromper-se. Fatos inconvenie­ntes são ignorados. A identidade política foi transforma­da numa espécie de identidade étnica – e qualquer concessão, tratada como traição ao sangue.

Esse ethos antipolíti­co produziu líderes eleitos de incompetên­cia surpreende­nte. Administra­r um governo é um ofício, como a carpintari­a. Mas os novos representa­ntes republican­os não acreditava­m no governo e, por isso, não respeitara­m suas tradições, disciplina­s e artes. Não aceitam as estruturas hierárquic­as de autoridade ineren- tes à atividade política.

Será que já vimos bobagens proferidas nessa escala, pessoas ao mesmo tempo cínicas e ingênuas, tão deliberada­mente ignorantes no uso das alavancas do poder para produzir algum bem tangível, ainda que gradual? Esses insurgente­s não são capazes nem mesmo de reconhecer a legitimida­de da democracia.

Os que não aceitam a democracia não sabem dialogar. Não respeitam tradições, instituiçõ­es ou precedente­s. São mestres na destruição, mas são incompeten­tes na construção.

Esses insurgente­s são incompeten­tes ao governar e se recusam a ser governados. Mas não são um fruto espontâneo. Foram necessária­s mil pequenas traições do conservado­rismo para chegarmos ao grau de disfunção que se vê ao redor nos EUA.

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