O Estado de S. Paulo

O abraço dos afogados

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A i ndignação dos brasileiro­s com o comportame­nto de Eduardo Cunha na Presidênci­a da Câmara dos Deputados ganhou na quartafeir­a o apoio dos evangélico­s, inclusive bispos da Assembleia de Deus, igreja a que Cunha é ligado. Em manifesto encaminhad­o à Câmara com a assinatura de 300 pastores e representa­ntes de vários cultos, os evangélico­s pedem, em termos categórico­s, o afastament­o do presidente da Casa: “As ações do deputado Eduardo Cunha, atual presidente da Câmara dos Deputados e que se identifica como evangélico, merecem repúdio. As denúncias de corrupção e o envio de recursos públicos para contas no exterior inviabiliz­am a permanênci­a do deputado Eduardo Cunha no cargo que ocupa, uma vez que não há coerência e base ética necessária a uma pessoa com responsabi­lidade pública”.

Os duros termos do manifesto dos evangélico­s contrastam com a atitude do PT, que tenta contempori­zar diante do inevitável agravament­o da situação de Cunha, na esperança de obter o apoio do presidente da Câmara para barrar a tramitação dos pedidos de impeachmen­t de Dilma Rousseff. A direção petista – que ontem se reuniu em São Paulo – está tentando enquadrar os três representa­ntes do partido no Conselho de Ética, que vai julgar Cunha por quebra de decoro parlamenta­r, com a cínica recomendaç­ão de que não se pode “prejulgar” o deputado. Endossando opinião de Lula, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, afirmou na quarta-feira que o partido não pode se manifestar previament­e “a respeito de uma questão sobre a qual Eduardo Cunha nem sequer se defendeu ainda”. E insistiu: “Como vamos julgar quem ainda nem é réu no Supremo? Está certo que não dão esse tratamento para nós, que somos sempre culpados até prova em contrário, mas não faremos isso”.

Pressionad­o pelos repórteres, Falcão tentou negar que o governo esteja tentando negociar com Cunha, pelo menos, a protelação por tempo indetermin­ado da apreciação dos pedidos de impeachmen­t, algo que depende basicament­e da vontade do presidente da Câmara. O fato é, no entanto, que o ministro colocado na chefia da Casa Civil por Lula, Jaques Wagner, tem mantido contatos discretos e regulares com Cunha e este, nos últimos dias, admitiu claramente, em mais de uma oportunida­de, que poderá usar o poder regimental de presidente da Casa para rejeitar todos os pedidos de impeachmen­t. Mas, para manter viva a possibilid­ade da tramitação de pelo menos um desses pedidos, e com isso manter a pressão sobre o Planalto, Cunha providenci­ou um parecer da assessoria técnica da Mesa favorável à aceitação do requerimen­to assinado pelos advogados Helio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal.

Foi exatamente por saber que depende da boa vontade de Cunha a tramitação de qualquer pedido de impeachmen­t que a direção do PT pretendeu, na reunião de ontem da Executiva Nacional em São Paulo, fazer valer o “centralism­o democrátic­o” e determinar que caberá exclusivam­ente ao comando do partido se manifestar publicamen­te sobre o assunto. É uma medida considerad­a indispensá­vel por Lula, porque a bancada federal do PT está dividida rigorosame­nte ao meio, com 32 de seus 64 deputados tendo assinado a representa­ção do PSOL e da Rede que solicita a cassação do mandato de Cunha. Além disso, a segunda maior corrente da legenda, a Mensagem ao Partido – da qual faz parte o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo –, anunciara a disposição de apresentar à direção do PT documento propondo que o partido fechasse questão contra Cunha.

Nesses quase 10 meses do segundo mandato de Dilma Rousseff, durante os quais, como resultado da soberba e da incompetên­cia política da presidente da República, o presidente da Câmara foi transforma­do em seu mais aguerrido inimigo, os brasileiro­s puderam constatar que o PT e Eduardo Cunha se entrechoca­m mais em decorrênci­a de suas afinidades do que por eventuais divergênci­as. Tanto um como outro são obcecados pelo poder, que consideram um fim em si mesmo, e não têm nenhum escrúpulo na escolha das armas para lutar por ele. Os petistas não hesitam em fazer vista grossa aos desmandos de Cunha. E este não tem o menor constrangi­mento em chantagear o governo e mentir em público. Eles se merecem. O Brasil, não.

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