A lei que compensa o crime
Éocioso perguntar a que se presta o Projeto de Lei 2.960/15, que trata da repatriação de recursos enviados ao exterior sem conhecimento da Receita Federal. Trata-se de óbvia artimanha para livrar dos dissabores da Justiça os delinquentes flagrados na Operação Lava Jato, que não se distinguem dos sonegadores, dos branqueadores de dinheiro e dos contrabandistas que podem ser igualmente beneficiados por esse atentado produzido pela baixa política que hoje impera no Brasil.
Felizmente, por ação de deputados da oposição e de alguns governistas, o projeto foi retirado da pauta na Câmara na última quarta-feira, quando estava para ser votado, mas deve voltar na próxima terça-feira. Os contribuintes que pagam seus impostos em dia, que não são corruptos e que não lucram com a dilapidação do erário esperam que o projeto seja rejeitado.
Desde 2011 alguns petistas tentam emplacar projetos que permitem a repatriação de capitais enviados de forma ilegal para fora do País, com o argumento de que esse “dinheiro novo” irrigaria a cambaleante economia nacional. Naquela época, quando ainda não se conhecia a extensão dos estragos que a chamada “nova matriz econômica” do governo de Dilma Rousseff já estava causando ao País, essa injeção de recursos era considerada impor- tante, mas não urgente.
Hoje, no entanto, a situação mudou drasticamente: sem conseguir dinheiro para fechar as contas, o governo começa a recorrer a medidas desesperadas. Primeiro, tentou emplacar a volta da CPMF, uma aberração tributária que não incide sobre atos de produção ou de circulação nem sobre a propriedade. Percebendo que muito dificilmente conseguirá aprovar esse monstrengo ainda neste ano, o governo batalha agora para fazer passar no Congresso a repatriação de dinheiro não declarado, na esperança de obter R$ 150 bilhões – cerca de quatro vezes a previsão de arrecadação com a CPMF.
Enviou então ao Legislativo um projeto que cria um regime especial de regularização desses recursos. Se o texto fosse aprovado como queria o governo, quem repatriasse o dinheiro pagaria 35% sobre os ativos (17,5% em Imposto de Renda e 17,5% em multa) e poderia desfrutar dele sem ter de prestar contas à Justiça – o projeto previa anistia para os crimes de sonegação, evasão de divisas, falsificação de documentos e lavagem de dinheiro. Para ter todas essas vantagens, bastaria comprovar que o dinheiro tinha origem “lícita”. Mas o problema, óbvio, é como atestar a legalidade desses recursos, muitas vezes remetidos ao exterior por meio de mecanismos típicos do crime organizado e das quadrilhas de corruptos que assal- tam os cofres públicos.
Como hoje em Brasília nada é tão ruim que não possa piorar, o projeto foi desfigurado por seu relator, o deputado Manoel Júnior (PMDB-PB), que incluiu entre os crimes anistiados os de formação de quadrilha, de contabilidade paralela (caixa 2), de descaminho (entrada de mercadorias importadas sem o pagamento de impostos) e de operação de câmbio com o uso de identidade falsa. Depois de negociar com o governo, retirou do projeto o perdão aos quadrilheiros, mas manteve todo o resto – e ainda reduziu a tributação de 35% para 30%, mas com o dólar fixado em R$ 2,65, conforme a cotação de 31 de dezembro de 2014. Ou seja, considerando-se o dólar de hoje, os sonegadores pagarão uma taxa camarada de cerca de 20%.
Não é necessário ir mais longe para perceber o absurdo que esse projeto representa. Não há ajuste fiscal que justifique esse tratamento simpático a quem enganou o Fisco – e, em muitos casos, enviou ao exterior dinheiro oriundo de crimes os mais diversos. Em meio ao maior escândalo de corrupção de que se tem notícia na história do País, em que uma incalculável fortuna em propinas foi guardada em cofres suíços, qualquer movimento na direção de livrar a pele dos envolvidos deve ser objeto do maior repúdio por parte dos brasileiros que honram seus compromissos, conforme manda a lei.