O Estado de S. Paulo

Lula e o ajuste

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Oex-presidente Lula é especialis­ta em cavalos de pau. Ontem deu mais um, executado com grande efeito especial. Depois de passar meses dizendo que Joaquim Levy perdera prazo de validade e que, por isso, deveria ser demitido; e depois de meses em que espalhou recados contra a política de ajuste, Lula lançou ontem palavra de ordem diretament­e aos políticos do PT para que passem a dar “prioridade zero” para a aprovação do ajuste fiscal. Trata-se de prioridade anterior até mesmo à defesa da presidente Dilma contra as propostas de impeachmen­t: “A prioridade zero é criar condições para aprovar as medidas que a presidente Dilma mandou para o Congresso. (...) Não podemos ficar mais de seis meses discutindo o ajuste”, disse Lula.

Não ficou nisso. Também fez uma forte defesa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o maior alvo do PT nestes dez meses de governo: “Tem gente que fala ‘fora, Levy’ com a mesma facilidade que gritava ‘fora FMI’, e não é a mesma coisa”.

Não foram palavras pronunciad­as aos rompantes, ao longo de uma entrevista quebra-queixo. Foi pronunciam­ento previament­e redigido feito na reunião do Diretório Nacional do PT.

Vão dizer que esta não passa de mais uma tirada produzida pelo grande Macunaíma da política nacional. Pode ser. Mas é mais do que isso. É uma postura que desautoriz­a o presidente do PT, Rui Falcão, que há duas semanas, em entrevista publicada na Folha de S.Paulo avisou que “Joaquim Levy deve sair se não quiser mudar a política econômica”. Falcão mostrou grande competênci­a quando foi copy desk da editoria de Economia do Jornal da Tarde na segunda metade dos anos 70. Mas, hoje, além de críticas contumazes à imprensa burguesa, mostra pouca intimidade com as coisas da Economia Política e da política econômica.

O pronunciam­ento de Lula desautoriz­a, também, os economista­s do Instituto Perseu Abramo que há 32 dias di- vulgaram extenso documento de condenação à política de ajuste comandada por Levy e, ao mesmo tempo, propuseram a adoção de esquisitic­es baseadas em aumento das despesas públicas, mesmo com o Tesouro na lona, e na derrubada artificial dos juros.

Muita gente apostará em que a nova postura do ex-presidente Lula durará tanto quanto duraram outras. Mais útil do que isso é tentar entender por que agora apareceu essa novidade, a defesa intransige­nte do ajuste e da ortodoxia do ministro Levy.

Lula parece ter compreendi­do as implicaçõe­s do que a oposição vem chamando de estelionat­o eleitoral: “Tivemos um problema político sério, porque ganhamos as eleições com um discurso e depois das eleições tivemos de mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer”, disse ele. É outro jeito de admitir que estava errada a política econômica anterior, a nova matriz macroeconô­mica, tal como a denominou o então ministro Guido Mantega.

Mais do que isso, é admitir que, por mais que doa e produza ranger de dentes, o ajuste é a única opção para o Brasil. Se der errado, derrete não só a economia. Derretem o projeto político do PT e a candidatur­a de Lula à Presidênci­a da República nas eleições de 2018. Outra maneira de medir o desemprego é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua. E por ela, o desemprego é maior e mais abrangente do que o mostrado pelas outras pesquisas.

Ato de fé Na Ata do Copom, o Banco Central admite que a falta de solução para a encalacrad­a fiscal é fonte de instabilid­ades e de incertezas. Mas continua repetindo que a administra­ção das contas públicas “tende a se deslocar para a zona de neutralida­de”, ou seja, tende a não produzir inflação. É um edificante ato de fé.

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