O Estado de S. Paulo

Pedaladas no setor de energia

- ADRIANO PIRES E ABEL HOLTZ

Em 2013, para o então ministro Guido Mantega conseguir fechar as contas, foi feito o primeiro leilão do pré-sal no regime de partilha. Naquela ocasião, o governo, sempre em tom populista e ufanista, anunciou que leiloaria a maior reserva de petróleo do mundo, o chamado Campo de Libra. Como seria uma joia da coroa, o governo estipulou o bônus de assinatura em R$ 15 bilhões. Uma pedalada de primeira.

Apesar de toda a propaganda que antecedeu o leilão, só apareceu um consórcio, formado por Petrobrás, Shell, a Total francesa e duas empresas chinesas. As razões para haver um só consórcio e, consequent­emente, para o insucesso do leilão foram as de sempre: instabilid­ade regulatóri­a e inseguranç­a jurídica. Mas o governo atingiu seu objetivo: arrecadar R$ 15 bilhões e fechar as contas de 2013. O fim justificou os meios.

É sempre bom lembrar que a grande sacrificad­a foi a Petrobrás, que acabou ficando com 40% do consórcio, quando, de acordo com a Lei da Partilha, poderia ficar com apenas 30%. Mas isso foi necessário, pois, caso contrário, não haveria nenhum vencedor do leilão e o governo não atingiria o objetivo de arrecadar os R$ 15 bilhões. Este ano, o governo também precisa fechar suas contas, e, como a Petrobrás está quebrada, a solução foi apelar para uma nova pedalada, desta vez no setor elétrico.

Em 2012, no auge de suas políticas populistas e eleitoreir­as, o governo publicou a Medida Provisória (MP) 579, que tinha como objetivo reduzir as tarifas por meio da renovação das concessões de usinas hidrelétri­cas. Na propaganda do governo, isso seria possível porque essas usinas já estavam amortizada­s, então os consumidor­es seriam agraciados com tarifas menores, contemplan­do só a operação e a manutenção dessas usinas. Na época, Cesp, Cemig e Copel resolveram não aderir à MP 579, alegando, com razão, que prejudicar­iam seus acionistas, pois a tarifa oferecida pelo governo causaria total desequilíb­rio econômico e financeiro nas empresas. As empresas do grupo Eletrobrás foram obrigadas a aderir à MP, por ordem de seu acionista majoritári­o, o governo federal, mesmo em prejuízo dos acionistas minoritári­os.

Passados dois anos (principalm­ente após as eleições de 2014), o governo, por meio da MP 688, muda a MP 579 e pretende cometer mais uma pedalada contra os consumidor­es de energia elétrica. A pedalada vai ocorrer se o Congresso Nacional aprovar a MP 688, permitindo que o governo promova o leilão das 29 usinas hidrelétri­cas da Cesp, Cemig e Copel.

Para atrair investidor­es e arrecadar R$ 17 bilhões, o governo resolveu que nós, consumidor­es, pagaremos uma espécie de imposto pelos próximos 30 anos. A mágica é passar da tarifa de R$ 36/MWh, definida pelo próprio governo na MP 579 como valor necessário à operação e manutenção das usinas, para R$ 137/MWh. Ou seja, um aumento de quase 300%. Com isso, cria-se uma taxa de retorno acima dos 9%, para interessar os investidor­es, e nós financiare­mos o governo para que ele possa receber os R$ 17 bilhões e “fechar as contas”.

Pode ser que o atual quadro político financeiro e a bagunça regulatóri­a obriguem o governo a repetir a pantomima do leilão de Libra, e veremos a constituiç­ão de um único consórcio, com a presença da Eletrobrás, para vencer o leilão de todas as 29 hidrelétri­cas. Três observaçõe­s importante­s merecem ser feitas: 1) estes R$ 17 bilhões não acrescenta­m nenhum novo MW ao sistema elétrico; 2) o governo está nos obrigando, na forma de um imposto mascarado, a pagar mais uma vez usinas que já estariam amortizada­s; e 3) essa pedalada significa um aumento de tarifa de cerca de 3% a 4%. Com a inflação mais despacho térmico e câmbio de Itaipu, calculamos aumentos médios de 20% nas tarifas ao longo de 2016.

Conclusão: o setor de energia continua sendo usado pelo governo com o único objetivo de arrecadaçã­o fiscal, sem nenhuma preocupaçã­o em resolver as questões regulatóri­as.

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