O Estado de S. Paulo

A mulher encarregad­a do restauro de clássicos

Margaret Rodde trabalha com Scorsese em sua fundação

- Luiz Carlos Merten

Em 1990, e com a ajuda dos amigos Steven Spielberg, George Lucas e Francis Ford Coppola – o quarteto fundador da Nova Hollywood –, Martin Scorsese criou a The Film Foundation. O objetivo inicial era recuperar o patrimônio audiovisua­l ameaçado dos EUA. A fundação ganhou apoio financeiro dos grandes estúdios e foi assim que obras-primas de Hollywood foram ‘salvas’. Há dez anos, Scorsese criou, dentro da Film Foundation, o projeto Cinemas of the World, para ampliar o raio e salvaguard­ar as obras-primas do cinema mundial.

Margaret Bodde tem acompanhad­o todo esse processo. Ela chegou à Film Foundation um ano depois. “24 anos!”, ela exclama. “Uma vida”, acrescenta. Formada em cinema e com tese sobre o restauro de filmes – na Library do Congresso norte-americano –, Margaret tornou-se o braço direito de Scorsese na fundação. E agora ela está em São Paulo acompanhan­do a homenagem da Mos- tra a Scorsese e à sua fundação. Margaret tem acompanhad­o as sessões. Esteve quarta-feira à noite na Sala Cinemateca, para a primeira – e única – exibição da versão restaurada de Limite, de Mario Peixoto.

Talvez tenha sido o filme que, primeiro, no Brasil, despertou o debate sobre a necessidad­e de se proteger e salvar o patrimônio cinematogr­áfico. Sempre houve o mito Limite no cinema brasileiro. Pode-se discutir se o filme justifica, realmente, toda a sua fama, mas virou um emblema e, como tal, é importante. Realizado no começo dos anos 1930, quando Mario era um jovem de 21 anos, o filme já estava em situação precária quando, em 1959, Plínio Susskind Rocha, guardião do mito de Mario, promoveu uma histórica sessão. Plínio, além de cinéfilo, era professor de física e filosofia da ciência. Um de seus alunos, Saulo Pereira de Mello, ficou ‘tomado’ pelo que viu. Recebeu de Plínio a missão – “O quer você vai fazer para salvar Limite?”.

Quem contou a história, na quarta-feira, foi Walter Salles, que se aliou a Scorsese e à Film Foundation para o restauro de Limite. “O filme está salvo, Saulo”, disse Salles, e a sala prorrompeu em aplausos. À tarde, em conversa com o repórter, Margaret Bodde ressaltou a importânci­a da colaboraçã­o da Film Foundation com A Cineteca de Bologna e seu laboratóri­o, L’Immagine Ritrovata.

O tripé tem estado por trás da maioria das restauraçõ­es de clássicos apresentad­os em festivais como Cannes – a seção Cannes Classics –, Berlim, Veneza e a Mostra. Margaret contou que, embora Scorsese seja muito presente e atuante na Foundation – “É nosso chairman” –, a entidade conta com um board, colegiado, de grandes cineastas, críticos e historiado­res de cinema. E todo mundo usa seu prestígio para angariar fundos, que vêm de organizaçõ­es públicas e, principalm­ente, privadas.

A 39.ª Mostra está sendo uma vitrine importante para trazer ao espectador brasileiro um pouco do trabalho da Film Foundation. “Mesmo quando trabalhamo­s com restauro digital, é norma tirarmos sempre uma print, um negativo, porque é da natureza do cinema. E o objetivo não é só preservar, e guardar. Faz parte da nossa política recolocar esses filmes em circulação, devolvê-los ao público. Salvar os filmes da destruição (morte) significa dar-lhes vida”, reflete Margaret. A seleção de filmes na Mostra, sugerida pela própria The Film Foudation, exibe hoje sete títulos fundamenta­is. Quatro são clássicos de Hollywood, e os outros três integram no World Cinema Project.

Pode-se começar por Como Era Verde Meu Vale, de John Ford, vencedor de cinco Oscars, incluindo filme, diretor e fotografia em 1941. Baseado no romance de Richard Llewellyn, conta a história de uma família durante greve de mineradore­s no País de Gales. Há outra greve – de portuários – em Sindicato de Ladrões, de Elia Kazan, com Marlon Brando, e o filme também foi superpremi­ado pela Academia em 1954 (com oito Oscars). É obra polêmica, porque muitos críticos a veem como uma tentativa de Kazan para justificar sua delação duran- te o macarthism­o. Os outros dois são Juventude Transviada, de Nicholas Ray, que foi decisivo na construção do mito de James Dean como representa­ção da insatisfaç­ão dos jovens norte-americanos nos anos 1950. E há o musical All That Jazz, de Bob Fosse, lançado no Brasil como O Show Deve Continuar, que dividiu a Palma de Ouro em Cannes, em 1980, com Kagemusha – A Sombra do Samurai, de Akira Kurosawa.

Dos outros três, dois são clássicos do cinema italiano, Rocco e Seus Irmãos, de Luchino Visconti, e O Bandido Giuliano, de Francesco Rosi ( leia texto abaixo). O terceiro é o belíssimo A Cor da Romã, de Sergei Parajanov. Todo dia, a Mostra exibe clássicos restaurado­s por Scorsese e seu ‘time’. É o que se pode chamar de alegria dos cinéfilos.

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ALINE ARRUDA/DIVULGAÇÃO Margaret. “Faz parte da nossa política recolocar esses filmes em circulação, devolvê-los ao público. Salvá-los da destruição”
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