O Estado de S. Paulo

Os anexos de Cunha

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Recentes medidas da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ajudam a explicar como o presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), mesmo coberto por denúncias e envolto em graves contradiçõ­es, mantém-se no cargo. É que ele sab e c o mo p o u c o s a ng a r i a r apoio de seus colegas parlamenta­res.

Alheio à crise econômica e fiscal que se agrava a cada dia, o deputado fluminense avança em seu projeto de ampliar as instalaçõe­s do Parlamento. Faz pouco conseguiu aprovar um “jabuti” numa medida provisória permitindo que o Poder Legislativ­o realize parcerias público-privadas. Com a nova prerrogati­va, Cunha tinha a intenção de construir mais gabinetes para deputados e assessores, ampliar o estacionam­ento e abrir o que ficou conhecido como “Parlashopp­ing” – um empreendim­ento comercial com lojas e escritório­s. Cálculos iniciais mostravam que o projeto de expansão da Câmara custaria mais de R$ 1 bilhão. Daí vinha o interesse de Cunha em contar com a iniciativa privada, já que a Câmara não dispõe desse volume de recursos.

Mas os tempos de crise estão mostrando que não será fácil obter a participaç­ão da iniciativa privada num empreendim­ento desse porte. “A situação está difícil e o mar não está para peixe”, admitiu o depu- tado Beto Mansur (PRB-SP), aliado de Cunha e primeiro secretário da Câmara. Não querendo atrasar o desejo do presidente da Casa de oferecer melhores condições de trabalho aos deputados e seus assessores, a Mesa Diretora da Câmara decidiu tocar uma obra mais modesta, com recursos próprios e sem necessidad­e de investimen­to privado. O objetivo agora é construir apenas um novo anexo, atrás do atual Anexo 4, onde estão instalados alguns gabinetes de deputados. Estima-se que a obra, com auditório e garagem subterrâne­a, dure três anos e custe aos cofres públicos R$ 310 milhões.

De acordo com Mansur, o processo de construção do novo anexo já teve início. “Faz uns 20 dias que começamos a liberação de documentos”, afirmou o deputado, que espera realizar a licitação ainda neste ano e começar a obra em agosto de 2016. Como se observa, o tema é uma prioridade para os mandachuva­s da Câmara. Beto Mansur ressaltou que o sonho do Parlashopp­ing não foi abandonado. “Se a parceria público-privada der certo, poderemos até incorporar esta obra atual, mas não queremos perder tempo e estamos tocando com as nossas próprias pernas”, esclareceu o deputado paulista.

O empenho da Mesa Diretora da Câmara em agradar aos parlamenta­res não se restringe ao novo anexo. Recentemen­te, ela aumentou o número de servidores que poderão receber pagamento adicional por trabalho durante sessão noturna do Plenário. Agora, serão 2.439 pessoas com direito ao valor extra, sendo 900 servidores efetivos e ocupantes de cargos de natureza especial e 1.539 funcionári­os de gabinetes parlamenta­res. Esse último número tem uma explicação: cada 1 dos 513 deputados terá direito a 3 assessores recebendo o adicional por sessão noturna. Logicament­e, o agrado tem o seu preço. Estima-se que, nos novos moldes, cada sessão legislativ­a à noite custará ao erário R$ 500 mil. “Foi uma decisão técnica”, afirmou Mansur, para logo adiante complement­ar: “E também uma reivindica­ção dos deputados”. Está explicado.

O que também ajuda a explicar por que Eduardo Cunha, mesmo denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato – segundo Rodrigo Janot, procurador­geral da República, ele recebeu US$ 5 milhões para viabilizar, em 2006 e 2007, a contrataçã­o de dois navios-sonda pela Petrobrás com o estaleiro Samsung Heavy Industries – e apesar de suas afirmações não correspond­erem aos registros bancários da Suíça, que o colocam como beneficiár­io de umas polpudas contas bancárias naquele país, segue firme e forte presidindo a Câmara. Com rara habilidade e generosa dedicação, Cunha sabe ouvir e acolher as reivindica­ções de seus nobres colegas.

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