O Estado de S. Paulo

Protagonis­mo tardio

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Os tucanos não se podem queixar da sorte. No mesmo dia em que decidiram descer do muro e definir uma posição clara pelo afastament­o de Eduardo Cunha da Presidênci­a da Câmara e até mesmo pela cassação de seu mandato, por artimanhas do próprio Cunha cerca de uma dúzia de legendas partidária­s que compõem a base de apoio ao governo – a metade, partidos nanicos – divulga documento em que manifesta “total apoio e confiança” no parlamenta­r peemedebis­ta e na forma como tem comandado a Casa de representa­ção dos brasileiro­s. O PT, por razões óbvias, não subscreve o documento, mas participou das articulaçõ­es para sua elaboração: foi redigido no gabinete do líder do governo na Câmara, o petista José Guimarães (CE) – aquele que diz que nada enten- de de transporte de valores.

O êxito de iniciativa­s de protagonis­mo político depende em boa medida do contrapont­o estabeleci­do pelo eventual antagonist­a. A imagem negativa de Eduardo Cunha resulta de um amplo consenso, é praticamen­te unanimidad­e nacional, de modo que o conchavo urdido para oferecer-lhe “total apoio e confiança” é tudo de que os tucanos necessitav­am para respaldar e valorizar aos olhos da opinião pública sua decisão tardia de posicionar-se contra os interesses de um político mendaz e autoritári­o que para escapar da Justiça tem usado e abusado de todo o poder que sua investidur­a lhe confere.

A atribulada experiênci­a vivida nos últimos meses pelo PSDB – maior partido da oposição – na ânsia de acelerar um processo de cassação do mandato da presidente Dilma Rousseff talvez tenha ensinado aos tucanos que, embora a política seja considerad­a a arte de aliar meios a fins, os fins jamais justificam os meios. É o que demonstra na prática, aliás, o retumbante malogro do projeto lulopetist­a de promover justiça social e prosperida­de por decreto governamen­tal.

O PSDB perdeu precioso tempo, desde o início deste ano, perseguind­o a ideia do impeachmen­t – que, certamente, cabe na agenda política, mas não pode ser preocupaçã­o obsessiva – em vez de cumprir o verdadeiro papel da oposição, que é não apenas denunciar e combater os erros do governo, mas, principalm­ente, propor ao País projetos alternativ­os de condução política e recuperaçã­o econômica. Foi o PMDB, ainda formalment­e aliado do governo, que tomou a iniciativa de propor um projeto assim. Enquanto isso, os tucanos votavam no Congresso para derrubar propostas com as quais sempre se identifica­ram, apenas para causar embaraços ao Planalto. Felizmente, esse surto de volunta- rismo amador vai sendo superado.

O confronto do PSDB com a base de apoio do governo – reforçada pelo “oposicioni­sta” Solidaried­ade, do notório deputado Paulinho da Força – revela também a absurda contradiçã­o em que se debate o lulopetism­o: aliarse por baixo do pano com seu maior adversário para tentar salvar a pele de uma presidente da República que, na verdade, não apoia efetivamen­te. Também fica exposta a indecorosa atitude do amontoado de legendas politicame­nte insignific­antes que se dispõem a apoiar Eduardo Cunha pelo que ele verdadeira­mente representa: um modo de fazer política inescrupul­oso, autoritári­o, amoral e retrógrado como visão de mundo.

O nível de hipocrisia dos petistas mal disfarçado­s sob o manto da neutralida­de e de seus aliados na luta inglória pela preservaçã­o – pelo menos momentânea – do status e do mandato de Eduardo Cunha está claramente expresso nos termos do documento apresentad­o em nome de PMDB, PR, PSC, PP, PSD, PTB, PEN, PMN, PRP, PHS, PTN, PT do B e, de quebra, do Solidaried­ade: “As denúncias apresentad­as ( contra Cunha) seguirão o curso do devido processo legal, onde haverá condições de defesa e julgamento por instâncias próprias e o princípio da presunção da inocência. (...) Eventuais disputas políticas não podem prevalecer para paralisar o funcioname­nto da Casa”. Lido em plenário pelo líder do PSC, André Moura, esse documento foi subscrito pelos 13 partidos que representa­m mais de 230 parlamenta­res. Não se trata de simples coincidênc­ia o fato de expressões como “devido processo legal”, “condições de defesa”, “julgamento por instâncias próprias” e, muito especialme­nte, “presunção de inocência” serem truísmos frequentes nas manifestaç­ões do PT a respeito da corrupção que malbarata suas fileiras.

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