O Estado de S. Paulo

Pior que Trump

No debate republican­o, os candidatos conseguira­m falar mais coisas sem sentido que o magnata

- GAIL COLLINS

Talvez muitos americanos não tenham assistido ao debate dos pré-candidatos presidenci­ais do Partido Republican­o esta semana. O que não justifica que não tenham uma opinião a respeito. Este será o último até dezembro, e é tudo o que terão para se preparar se quiserem conversar sobre política no jantar do dia de Ação de Graças.

Jeb Bush divulgou uma mensagem, antes do início do evento, pedindo a todos seus “amigos” que lhe enviassem um dólar para ele “saber que vocês estão em casa torcendo por mim”. Não parece patético? Como prometido, certamente foi mais específico do que nos anteriores.

Mas o tema deveria ser a economia, e sabemos há muito tempo que quando essas pessoas falam de planos a respeito de impostos, não vamos ouvir nada a não ser as palavras “baixos” e, ocasionalm­ente, “estáveis”.

“Como vocês observaram, elaborei um imposto simples e ousado: 10% para todo americano que produza um cresciment­o espetacula­r e 4,9 milhões de novos empregos em dez anos”, disse Ted Cruz. Num mundo perfeito, alguém teria dado um pulo e gritado: “O que foi que o sr. disse?”, pois Cruz estava falando de um déficit orçamentár­io potencial de US$ 3 trilhões. Depois, Cruz declarou que imporia cortes consideráv­eis do orçamento, incluindo a eliminação total de cinco importante­s agências, mas só conseguiu lembrar de quatro. E vocês acham que esse foi o fim de Ted Cruz? Ele contornou o problema mencionand­o duas vezes o Departamen­to do Comércio.

Carly Fiorina continuou tentando vender seu código fiscal de três páginas. Não um formulário de declaração de imposto de três páginas – três páginas de leis cobrindo todos os impostos que cada cidadão e cada empresa do país pagam. Ela mencionou o código de três páginas quatro vezes durante o debate, e em nenhuma vez alguém falou: “Do que diabo você está falando?”.

A única pessoa que poderia ter passado pelo teste do polígrafo foi – estão preparados? – Ben Carson. Embora lembrasse da promessa sempre popular de acabar com as brechas na lei, Carson afirmou que cortaria drasticame­nte as deduções destinadas a instituiçõ­es de carida- de e ao pagamento de hipotecas. Todo mundo gosta delas, admitiu Carson. “Mas o fato é que as pessoas tinham casas antes de 1913, quando nós introduzim­os o imposto de renda federal, e as deduções começaram muito depois disso.” Um perfil de coragem ou a incapacida­de de refletir a fundo sobre as coisas? Aí está um tópico excelente para ser discutido no jantar festivo. As duas únicas questões que provocaram um debate genuíno foram a imigração e as- suntos militares.

Quanto à imigração, tanto Bush quanto John Kasich tentaram desancar o plano de Donald Trump de deportar todos os imigrantes em situação irregular. “Pense nas famílias, pense nas crianças”, suplicou Kasich. Por sua vez, Trump afirmou que o presidente Dwight Eisenhower deportou 1,5 milhão de imigrantes ilegais para o México e não deixou de ser popular. Durante esse programa, chamado “Operação Wetback” (cos- tas molhadas), alguns deportados se afogaram.

Cruz aproveitou a oportunida­de para dizer que seu pai “entrou legalmente vindo de Cuba”. É realmente uma história muito complicada, mas o importante foi que Cruz falou do pai imigrante. É a norma, nesses debates, que todos os que não são Bush ou Trump tentem introduzir alguns detalhes a respeito de suas origens humildes. O avô de Kasich teve uma doença pulmonar provocada pelo trabalho.

Trump e Bush se enrolaram na questão do envolvimen­to americano no Oriente Médio. Trump citou um general que não identifico­u, que disse: “Sabe, sr. Trump? Estamos dando centenas de milhões de dólares em equipament­os a esse pessoal e nem temos ideia de quem são”. No mundo de Donald, todo general o chama “sr. Trump”.

Ao mesmo tempo, Carson disse que os Estados Unidos precisam fazer com que os jihadistas globais “pareçam derrotados”, recuperand­o um enorme campo petrolífer­o por eles controlado no Iraque. “Acho que nós poderíamos fazer isso com certa facilidade. Soube disso conversand­o com vários generais, e então a gente começaria dali.”

Quem ganhou? É difícil imaginar se os eleitores que ficaram do lado de Trump ou de Carson todo esse tempo se sentiriam desencoraj­ados por alguma coisa a esta altura. Muitos especialis­tas acham que Cruz e Rubio se saíram bem. Na minha opinião, só se vocês gostarem de programas econômicos sem lógica e de visões aterradora­s sobre política externa. Acho que Jeb ficou animado. Depois do debate, enviou emails solicitand­o outra doação. “Mantenham vivo o ímpeto”.

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