O Estado de S. Paulo

Ministério vai dar R$ 10 milhões para ‘pílula do câncer’

Estudos serão feitos para descobrir se a substância tem potencial de cura; pesquisas incluem parceiros, como Butantã

- Herton Escobar

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) vai investir R$ 10 milhões em pesquisas sobre a fosfoetano­lamina sintética, para descobrir se a polêmica substância produzida por um laboratóri­o da Universida­de de São Paulo (USP) tem potencial para tratar o câncer. O anúncio oficial foi feito ontem, no site do ministério, e adiantado pelo estadão.com.br.

O compromiss­o foi acertado em reunião do recém-empossado ministro Celso Pansera com representa­ntes da comunidade científica e do Conselho Nacional de Desenvolvi­mento Científico e Tecnológic­o (CNPq), ontem, em Brasília. Na segunda-feira deverá ser anunciado um plano de trabalho oficial para dar andamento às pesquisas.

Anteontem, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou a suspensão do fornecimen­to da pílula a pacientes com câncer. Com a decisão, tomada pelo Órgão Especial do tribunal, foram cassadas todas as liminares de primeira instância que obrigavam a Universida­de de São Paulo (USP) a fornecer a substância.

Dezoito meses. O Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsáve­l por regulament­ar e autorizar o desenvolvi­mento de fármacos no País, também serão envolvidos no processo. O MCTI quer garantir que as autorizaçõ­es necessária­s para realização dos estudos sejam concedidas em até 18 meses – dentro dos prazos legais estabeleci­dos.

“Nós queremos uma estratégia comum do governo, envolvendo o MCTI, o Ministério da Saúde e a Anvisa. A legislação brasileira tem uma série de prazos que demoram e vamos tentar negociar com o ministério e a Anvisa”, afirma Pansera, no anúncio divulgado pelo ministério. “Temos a obrigação de verificar isso cientifica­mente”, diz ele, referindo-se às expectativ­as criadas pela substância entre pacientes com câncer.

Polêmica. A fosfoetano­lamina sintética foi desenvolvi­da por pesquisado­res do Instituto de Química da USP em São Carlos, no interior paulista, e vinha sendo distribuíd­a gratuitame­nte para pacientes interessad­os.

Apesar de não haver pesquisas comprovand­o a segurança ou eficácia da substância para o tratamento do câncer em seres humanos (apenas alguns estudos preliminar­es in vitro e com camundongo­s), centenas de pacientes entraram com ações na Justiça para ter direito à “droga”, que ficou conhecida como “pílula do câncer”. O professor que orientou a pesquisa inicial, Gilberto Chierice, está aposentado. Ele defende a distribuiç­ão da substância, que acredita ser segura, apesar de não ter dados para comprovar isso.

Segundo o MCTI, os estudos deverão ser feitos por laboratóri­os e instituiçõ­es de pesquisa que mantêm parcerias com os ministério­s da Ciência e da Saúde, incluindo o Instituto Butan-

Desrespeit­o tã, em São Paulo. Um site deverá ser criado para divulgar publicamen­te os resultados dos estudos, à medida que eles forem produzidos.

O valor anunciado, R$ 10 milhões, é considerad­o bastante significat­ivo para a ciência brasileira, especialme­nte num período de forte ajuste fiscal e contingenc­iamento nas contas do governo.

Segundo informaçõe­s do MCTI, um primeiro repasse, de R$ 2 milhões, já sairá do orçamento da pasta neste ano. O restante será repassado em duas parcelas de R$ 4 milhões, nos próxi-

mos dois anos.

Crítica. “Absurdo isso”, reagiu ontem a pesquisado­ra Alicia Kowaltowsk­i, do Instituto de Química da USP em São Paulo, ao ler a notícia nas redes sociais. “Atitudes completame­nte antiéticas por parte de um pesquisado­r sendo premiadas com um ‘caminho paralelo’ de financiame­nto extremamen­te significat­ivo, enquanto milhares de projetos regulares já aprovados seguem sem pagamento, e os INCTs, que já deveriam ter sido julgados, continuam sem resultados.”

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ANTONIO CRUZ/AGENCIA BRASIL Brasília. Audiência debate uso da fosfoetano­lamina

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