O Estado de S. Paulo

Procura-se cavalo de pau

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Mais lembrado e falado do que há meses, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles adotou a moita como estratégia. Mas não completame­nte. Conversa com muita gente, inclusive com o escrevinha­dor desta Coluna, mas conversa para desconvers­ar.

“Ninguém falou comigo sobre essa história de assumir o Ministério da Fazenda. Já passei por muita coisa, fui durante oito anos presidente do Banco Central, estou bem onde estou, em tantas instituiçõ­es privadas. Fico feliz por estar sendo lembrado, mas não tenho pretensões, não tenho projetos políticos. Se me convidarem para qualquer cargo no setor público, passarei a examinar”... firiri, firira. É o que diz a todos.

Meirelles garante que não existem as tais exigências, do tipo “só aceito se for em tais e tais condições”... As últimas aparições públicas que aglomerara­m fotógrafos e repórteres, observa ele, não têm nada a ver com eventuais propósitos de se apresentar para o jogo. “São pura coincidênc­ia, foram agendadas há mais de seis meses.”

Enfim, mil boatos não produzem um fato, não há quem tenha quaisquer elementos para adiantar que Meirelles foi escolhido para ser o próximo ministro da Fazenda e conduzir a recuperaçã­o da economia. O que dá para dizer é que o atual ministro, Joaquim Levy, está tremendame­nte desgastado. Uma a uma, vai perdendo as batalhas do ajuste. E vai sendo obrigado a ouvir desaforos dos políticos. Quem tem de arrancar algum despacho de Brasília já não sabe com quem negociar.

Quando as coisas estão confusas, como agora, é difícil de hierarquiz­ar os pro- blemas. Até mesmo para quem quer afastar Levy do governo a questão principal pode estar mais acima. O núcleo duro do PT já entendeu que a enrascada da política econômica é sério obstáculo para seu projeto eleitoral, tanto em 2016 como em 2018.Por enquanto, o pressupost­o de quem trabalha para a demissão de Joaquim Levy é o de que é preciso produzir um cavalo de pau, tanto na eco- nomia como na política.

É óbvio que Joaquim Levy não é o problema, até porque a política econômica que tenta emplacar não é dele, mas da presidente Dilma. Trocá-lo por Meirelles pode não ser muito diferente do que trocar seis por meia dúzia, como se diz.

Portanto, ninguém deve descartar a hipótese de que, mais cedo do que tarde, o mesmo núcleo duro do PT poderá concluir que, com Levy ou com outro, este governo é irrecuperá­vel e que, se alguma coisa não mudar, o projeto eleitoral vai pro brejo.

Assim, talvez a conclusão do próprio PT seja a de que, nessas condições, é preciso recomeçar o jogo sem o passivo Dilma. Apresentar-se ao eleitor como oposição pode trazer mais resultados do que continuar como governo com a economia em desintegra­ção.

O PMDB já parece ter adotado essa estratégia. O documento Uma Ponte para o Futuro, que prevê iniciativa­s consistent­es para a recuperaçã­o das contas públicas, é parte dela.

Mas ainda falta um fato desestrutu­rador que produza o desfecho. Talvez ele chegue nos próximos meses, quando forem conhecidas as dimensões do tombo do PIB e, mais do que este, o estrago do desemprego. Hoje, ainda está nos 7,6%, mas dentro de mais dois ou três meses pode avançar para os dois dígitos. E isso mói. O recuo do varejo em setembro, de 0,5% em relação a agosto, foi até comemorado, porque a expectativ­a era de uma queda ainda maior. Mas o quadro geral continua ruim. Reflete a queda do poder aquisitivo pela recessão, pelo aumento da inflação, pelo desemprego. Reflete, também, o excessivo endividame­nto do consumidor.

Não falta crédito É um equívoco achar que a quebra das vendas do comércio acontece porque o crédito está reprimido. Não falta crédito. É o consumidor que não quer ou não está em condições de se endividar ainda mais.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–4/11/2003 Levy e Meirelles. Para onde?
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