O Estado de S. Paulo

‘Se o ministro fosse outro, já teria caído’

Segundo Renato Vilela, Joaquim Levy entende a responsabi­lidade de ser o ministro da Fazenda e é capaz de se sacrificar

- Pedro Venceslau

Amigo e ex-colega do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, o economista Renato Vilela, se- cretário da Fazenda de São Paulo, é o responsáve­l por aplicar o pacote de medidas “amargas” com o qual o governador Geraldo Alckmin tenta reequilibr­ar as contas do Estado. Formado pela PUC-RJ, Vilela foi secretário adjunto de Levy na Fazenda do Rio no governo Sérgio Cabral (PMDB). Em São Paulo, o secretário recebeu do governador a difícil missão de ir para a linha de frente e reduzir a resistênci­a de deputados estaduais, da indústria da cerveja e dos fabricante­s de cigarro ao aumento de impostos para os dois produtos. Na terça-feira, Vilela enfrentou sua prova de fogo: passou a tarde em uma audiência pública na Assembleia Legislativ­a rebatendo críticas – e vaias – de representa­ntes do setor de bares e restaurant­es, além de discursos duros de de- putados da oposição. Com o projeto emperrado na Assembleia, o governo aceitou ontem diminuir o aumento do imposto para cerveja de cinco para dois pontos porcentuai­s – de 18% para 20%.

O sr. trabalhou com o Joaquim Levy na Secretaria da Fazenda do Rio. Ele está sendo duramente criticado por todos os lados: PT, base aliada, movimentos so- ciais. Aqui em São Paulo, onde também há contingenc­iamento, aumentos de impostos, etc, não existe tanta pressão... Existe uma tradição de política fiscal responsáve­l em São Paulo. A população paulista dá um peso importante para isso. No governo federal, a deterioraç­ão da base de apoio do governo, ao mesmo tempo que houve a deterioraç­ão da economia, criou as condições para es- se tipo de coisa. Qualquer um que assumisse a Fazenda estaria sofrendo esse tipo de ataque. A diferença é que, se fosse qualquer outro o ministro que não o Levy, ele já teria caído.

Por quê? Porque ele é um cara que tem a noção do seu dever. Entende o papel e a responsabi­lidade do ministro da Fazenda nesse momento. É capaz de fazer esse sacrifício.

Como o sr. avalia o pacote de medidas apresentad­o pelo ministro? Não foi duro demais? A qual pacote você se refere? O que ele queria, mas que foi podado? O ministro da Fazenda não pode estar preocupado com o suporte da base aliada. Existem medidas que precisam ser tomadas no curto, médio e longo prazos. O que me surpreende­u é que, historicam­ente no Brasil, em momentos de crise, o Congresso sempre apoiou as medidas. Pela primeira vez isso não acontece. Já teve coisa muito pior. O confisco do Collor, por exemplo. Se não fizer (o pacote), o Brasil vai quebrar.

O governador Geraldo Alckmin se manifestou contra a recriação da CPMF e o aumento de impostos. O PSDB também. Não é contraditó­rio ele ter aumentado o ICMS da cerveja e do cigarro? Desde o início do ano tomamos uma série de medidas de redução de gastos. No dia 2 de janeiro, saíram dois decretos de contingenc­iamento do orçamento – um para cortar 10% do custeio e, o outro, 15% com gasto de pessoal. O governo do Estado não deu aumento para ninguém, nem para os professore­s. Contingenc­iou R$ 7 bilhões do orçamento. Mas, ao contrário das expectativ­as do início do ano, a gente não está vendo agora a reversão do quadro. Então eu cheguei para o governador e disse: “Vamos ter de aumentar a carga tributária este ano”. Ele tem coragem de, em alguns momentos, para manter a responsabi­lidade fiscal, parecer contraditó­rio. Mas não é. Fomos até onde pudemos com redução de gastos e custeio, mas as receitas estão caindo. Tivemos de passar recursos do Tesouro para que as obras mais importante­s não fossem paralisada­s. Vários Estados elevaram a carga tributária do combustíve­l e da energia, mas o governador se recusou a fazer. A opção foi focar em dois produtos que têm impactos negativos no orçamento do Estado: bebida alcoólica causa acidente e doenças, e o fumo nem se fala.

Ou seja: não há como fugir do aumento da carga tributária? Exatamente. Tomamos essa decisão no último momento possível, depois de fazer tudo que deu de corte de despesas. É unânime, entre os analistas financeiro­s, que a recessão vai entrar forte no ano que vem.

Por que ser, então, contra a decisão do governo federal de recriar a CPMF? Porque é um imposto que tem muito mais impacto negativo na economia. Estamos aumentando tributos em dois produtos finais. Não estamos colocando no insumo, dentro da matéria-prima, o que daria impacto em toda a cadeia produtiva. É na ponta do consumo.

A decisão de zerar o ICMS sobre arroz e feijão e reduzir o imposto sobre a areia usada na construção civil foi uma forma de sobrepor uma agenda positiva sobre a decisão de aumentar o imposto da cerveja e do cigarro? Não se trata de agenda negativa, mas de uma política tributária estudada, pensada e consciente para minimizar os efeitos negativos sobre a economia. Isso de agenda positiva ou negativa é uma questão de segunda ordem.

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