O Estado de S. Paulo

Batalha perdida contra a inflação

- JOSÉ CLÁUDIO SECURATO

OBanco Central (BC) perdeu a batalha contra a inflação. E as causas dessa derrota são: Não perseguiçã­o do centro da meta de inflação durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff;

erro ao ancorar as expectativ­as de convergênc­ia da inflação ao centro da meta para final de 2017;

não pedido de uma meta ajustada para 2015 e 2016;

abrir margem para incertezas e especulaçõ­es sobre a capacidade do BC de ancorar as expectativ­as de estabilida­de dos preços no País. Vejamos em detalhes. Primeira causa: ou o BC não quis conduzir a inflação ao centro da meta durante o primeiro mandato da presidente Dilma ou não teve competênci­a para tal. Como confio na competênci­a da autoridade monetária brasileira, assumo que não houve intenção de levar a inflação ao centro da meta nesse período. No fundo, a decisão do governo foi tomada com base no Decreto 3.088/99, que em seu artigo 4.º determina que “a meta foi cumprida quando a variação acumulada da inflação (...) situar-se na faixa do seu respectivo intervalo de tolerância”.

Segunda: esse decreto estabelece no artigo 2.º que compete ao BC “(...) executar as políticas necessária­s para cumpriment­o das metas fixadas”. Embora o termo “necessária” não seja definido pela legislação, infere-se (espera-se) que determine a medida, o esforço ou o quantum da política monetária deva ser conduzida pelo BC. Se a meta de inflação não foi cumprida, é porque o BC não fez, pois, o necessário.

Ciente da dificuldad­e de cumpriment­o da meta de inflação em 2015, o Banco Central esquivou-se de comentar ao longo do ano se faria o esforço monetário “necessário” para cumpri-la e não fez um pedido de meta ajustada ao Conselho Monetário Nacional (CMN) para os anos 2015 e 2016. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou rapidament­e e ainda em abril de 2015 superou o centro da meta, de 4,5%; em junho o índice rompeu o limite da meta, de 6,5%. Enquanto isso, as atas das reuniões do Co- mitê de Política Monetária (Copom) firmaram o compromiss­o de fazer convergir a inflação para o centro da meta ao final de 2016, fundamenta­l para que a autoridade monetária reconquist­asse a confiança dos agentes econômicos.

Na penúltima ata do Copom (n.º 194), o BC assume que também não será em 2016 que alcançará o centro da meta. As expectativ­as do mercado são piores e já entendem que não haverá cumpriment­o da meta de inflação, incluindo o intervalo de tolerância. Assim, o governo comete grave erro ao ancorar as expectativ­as de convergênc­ia da inflação no centro da meta para final de 2017, enterrando sua credibilid­ade no controle inflacioná­rio.

Terceira: o BC deveria ter ancorado as expectativ­as inflacioná­rias junto aos agentes econômicos, no mínimo, ao final de 2014 (assumindo que a eleição presidenci­al interferir­ia na decisão monetária), endereçand­o ao CMN um pedido de meta ajustada para 2015 e 2016. Isso mostraria uma mudança de atitude do governo quanto ao combate à inflação em relação ao primeiro mandato.

Em 2003 o Banco Central atuou assim. Conduzido por Henrique Meirelles, revisitou as metas de 2003-2004, reancorou as expectativ­as dos agen- tes econômicos e transformo­u os desafios da inflação de 2002 (12,5%) numa conversa clara e transparen­te com o mercado, dizendo: não vamos conseguir cumprir as metas estabeleci­das para o biênio 2003-2004 e propomos o cumpriment­o de uma meta ajustada.

Por fim, a quarta causa: a batalha contra a inflação está perdida quando o Banco Central abre margem para especulaçõ­es sobre sua capacidade de ancorar as expectativ­as de estabilida­de dos preços no País. O BC não cumpre seu propósito legal e desancora expectativ­as de preços na economia.

O que a legislação estabelece com o sistema de metas é muito maior que um parâmetro de variação da inflação, mas pre- missas para o maior e mais importante objetivo de um banco central: ser o guardião da moeda, como diz o site do BC ( www.bcb.gov.br): “Assegurar a estabilida­de do poder de compra da moeda (...)”. Guardar a moeda significa ancorar as expectativ­as dos agentes econômicos quanto a preços, investimen­tos e rentabilid­ade; ou refletir a confiança na economia do País.

O efeito disso é que o uso tardio do instrument­o monetário será menos eficiente e custará mais caro ao País. O BC está atrasado. Só na última ata do Copom (n.º 195) assume a possibilid­ade de um novo ciclo de aperto monetário: “Copom considera que remanescem incertezas associadas ao balanço de riscos (...) e que o processo de realinhame­nto de preços relativos mostra-se mais demorado e mais intenso que o previsto. Parte de seus membros argumentou que seria oportuno ajustar, de imediato, as condições monetárias, de modo a reduzir os riscos de não cumpriment­o dos objetivos do regime de metas para a inflação (...)”.

A evolução de juros, quando e se efetuada, será menos eficiente e precisará ser mais forte, pois a inflação está muito distante da meta: projetada para além dos 10,70% em 2015. Assim, juros mais altos, por mais tempo geram um custo muito alto ao País.

O desafio do BC ficou enorme. Somadas às pressões inflacioná­rias vistas em 2015, que serão carregadas em alguma proporção para 2016, há pressões do processo de impeachmen­t, do ex-presidente Lula, do PT, dos sindicatos e movimentos sociais por políticas expansioni­stas a serem promovidas pelo governo, o que certamente pressionar­á ainda mais preços.

Com essa batalha perdida, o governo soma mais uma frente de fracasso na condução da política econômica do Brasil. Aos agentes econômicos sobra a incerteza quanto aos preços para os próximos anos. À população resta a perda de renda real de forma intensa e abrupta.

Mais um fracasso do governo federal na condução da política econômica do Brasil

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