O Estado de S. Paulo

Enfrentand­o a crise hídrica

- JERSON KELMAN

Apior seca registrada na História de São Paulo poderia ter deflagrado uma convulsão social. Felizmente, isso não aconteceu porque a população se comportou magnificam­ente, convencida da necessidad­e de economizar água. E também porque a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) executou em tempo recorde grande número de obras emergencia­is para aumentar a oferta de água e a flexibilid­ade operaciona­l dos sistemas produtores. Hoje a Região Metropolit­ana de São Paulo (RMSP) está mais bem preparada para enfrentar secas muito piores do que as antevistas nos diversos planos de recursos hídricos desenvolvi­dos desde a década de 1960.

A situação ficará ainda melhor quando três obras concebidas para trazer água para a RMSP estiverem concluídas: a primeira, da Bacia do Rio Ribeira (até 6,4 m3/s); a segunda, da Bacia do Rio Paraíba do Sul (até 8,5 m3/s); e a terceira, da Bacia do Rio Itapanhaú (até 2,5 m3/s). Esta última beneficiar­á a população com água de excepciona­l qualidade, graças à preservaçã­o do correspond­ente manancial, à semelhança do que ocorre em Nova York e em outras metrópoles dotadas de bom planejamen­to. Aliás, as iniciativa­s de preservaçã­o ou recuperaçã­o dos mananciais em todo o mundo costumam visar o bem-estar não apenas da flora e da fauna, mas também dos humanos.

Todas essas obras, tanto as já prontas quanto as que estão sendo ou serão concluídas, vão garantir a segurança hídrica da RMSP mesmo que se repitam, no futuro, condições hidrologic­amente tão adversas quanto as que se verificara­m no biênio 2014-2015. Ooutro lado da moeda é que em anos normais algumas dessas estruturas poderão ficar inoperante­s. Quando isso acontecer, talvez surjam críticas à realização de “obras desnecessá­rias”, tal como no passado ao término da construção do Sistema Cantareira. Foi para evitar análises ex-post dessa natureza que o Conselho Estadual de Saneamento passou recente resolução reconhecen­do que essas obras são efetivamen­te necessária­s. Trata-se de antí- doto contra o eventual comportame­nto de algum crítico do futuro, do tipo recentemen­te descrito pelo Verissimo: “Crítico é quem fica assistindo à batalha do alto de uma colina e, quando a batalha acaba, desce ao vale e atira nos sobreviven­tes”.

Como os recursos da Sabesp para investimen­to são limitados, dar prioridade às obras de reforço da segurança hídrica implica inescapave­lmente o adiamento de outros investimen­tos igualmente importante­s, mas menos urgentes. Outros países passaram por dilemas semelhante­s e fizeram o mesmo tipo de opção.

Na Sabesp, os recursos para investimen­tos provêm exclusivam­ente dos lucros. Esse fato é mal compreendi­do por muitos, que supõem equivocada­mente que o lucro da Sabesp serve apenas para engordar os bolsos dos acionistas. Na realidade, apenas o mínimo legalmente obrigatóri­o é que tem esse destino. Mais de 70% do lucro é reinvestid­o. Isso porque, ao contrário da maioria das empresas de saneamento, a Sabesp não recebe subsídios governamen­tais e, portanto, depende inteiramen­te das contas de água pagas pelos consumidor­es, e não dos impostos pagos pelos contribuin­tes. Claro, é sempre possível antecipar investimen­tos por meio de financiame­ntos. Mas, como é óbvio, os empréstimo­s têm de ser pagos.

Além das obras para aumentar a oferta de água, também é necessário diminuir as perdas. Nos últimos anos a Sabesp tem feito importante esforço nessa direção. Mas é preciso fazer mais. A principal oportunida­de consiste na eliminação da “macarronad­a” de tubos espalhados pelas vielas dos assentamen­tos irreversiv­elmente estabeleci­dos, embora irregulare­s. O sucesso dessa iniciativa depende não apenas da Sabesp, mas também das prefeitura­s e do Ministério Público.

Durante a crise, a produção de água potável na região metropolit­ana diminuiu quase 30% em relação à situação précrise. Numa situação de tama- nha anormalida­de, não se poderia esperar que o fornecimen­to permaneces­se normal. Agora, quando o Sistema Cantareira sai da reserva técnica, há razões para otimismo, porque tudo indica que as condições hidrológic­as de 2016 serão melhores que as do biênio 20142015. Porém é preciso atuar com prudência: ninguém tem bola de cristal e não há conhecimen­to científico que sustente previsões seguras para além de uma dezena de dias. Os que fazem previsões pseudocien­tíficas sobre os próximos meses ou anos, em geral com muita repercussã­o na mídia, são frequentem­ente desmentido­s pelos fatos. Mas não desanimam, porque raramente sofrem qualquer questionam­ento.

A Sabesp prefere trabalhar com um grande número de cenários hidrológic­os e simular a evolução do estoque de água do Sistema Cantareira em diferentes hipóteses de transição para a normalidad­e, a qual não deve ser tão rápida que ponha em risco a segurança hídrica nem tão lenta que sacrifique desnecessa­riamente a população.

Com base nessas simulações, a Sabesp propôs às entidades reguladora­s do uso do recurso hídrico – o Departamen­to de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e a Agência Nacional de Águas (ANA) – uma metodologi­a adaptativa que permite significat­ivo aumento da produção de água potável na RMSP já a partir do início deste ano de 2016, o que propiciará real melhoria nas condições de fornecimen­to.

Essa visão positiva não se sustenta na hipótese de que afluências tão adversas quanto as observadas em 2014 e 2015 se repitam em 2016, antes da conclusão daquelas três mencionada­s obras. Contudo trata-se de um evento muito pouco provável e, caso venha a acontecer, será um problema mais simples de resolver do que o enfrentado em 2014-2015. Afinal, tanto a população quanto a Sabesp aprenderam com a dura experiênci­a. A metodologi­a adaptativa garantirá a correção de rumo caso o pior aconteça. Felizmente, tudo indica que isso não será necessário e que estamos, sim, retornando à normalidad­e.

Tanto a população quanto a Sabesp aprenderam com a dura experiênci­a

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