Arrogâncias
Oplural do título talvez não implique precisão gramatical, mas se encaixa ao tema da crônica. O noticiário esportivo trouxe, nos últimos dias, dois exemplos contundentes de petulância, comportamento de arrogantes que se sentem superiores aos demais.
Um deles partiu da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (Ferj), ao insinuar que Flamengo e Fluminense não podem participar da Liga SulMinas sem o risco de sofrerem sanções. Outro despontou na Inglaterra, com a acusação de que tenistas teriam participado de esquema de venda de resultados para favorecer a apostadores internacionais. Em am- bas as situações, sobra cara de pau.
O caso da Ferj expõe o quanto há de anacrônico e ultrapassado na função das Federações estaduais. Essas entidades, na origem e durante décadas, tiveram importância, sentido e autoridade. Pelo tamanho do Brasil, funcionavam quase como as Confederações nacionais espalhadas pelo mundo. A CBD (e depois a CBF) era complemento, o órgão supremo do esporte no País.
O tempo passou, os Estaduais enveredaram por declínio irreversível, equipes pequenas perderam espaço, enquanto as grandes buscam desafios amplos, que fogem do âmbito paroquial. Esse quadro levou ao enfraquecimento das Federações, que se tornaram ob- soletas e decorativas, redutos de poder político provinciano. Sintetizam o que há de mais antigo no futebol por aqui.
A maioria só se mantém com apoio da CBF, que delas tira suporte eleitoral. Pouco contribuem para a moderni- dade – e, em muitos casos, infernizam a vida dos times populares e economicamente viáveis. Sabem que, sem as equipes mais fortes, vão morrer de inanição; por isso, em vez de apoiá-las tratam de tê-las sob controle a todo custo.
A Ferj não se conforma com a decisão de Fla e Flu disputarem, no início da temporada, uma competição mais rentável do que o Carioca, há anos desmilinguido técnica e financeiramente. Para tanto, tenta emperrar a iniciativa, a ponto de colocar em votação de assembleia geral artigos que impeçam a participação dos filiados em torneios que não tenham o aval da CBF. Na manobra, contou com a adesão dos pequenos, além de Botafogo e, claro, do Vasco da Gama, de Eurico Miranda, de quem não se esperaria outra atitude.
Como a CBF não chancelou a Liga, a Ferj se acha no direito de vetar a presença da dupla e já acenou com a possibilidade de denunciá-la à Fifa, se tiver a ousadia de desobedecer às diretrizes domésticas. Autoritarismo sem nexo. A Lei Pelé comporta brecha para que clubes criem Ligas – e eles não as fazem por temor de represálias de Federações e CBF. Agora, ao ensaiarem a rebelião, fizeram disparar o sinal de alerta.
Os coronéis da bola sabem que, no dia em que os clubes resolverem assumir o controle do futebol, vão para escanteio, sairão de cena, no máximo terão o raio de ação limitado a cuidar de agremiações amadoras. E à CBF caberá tomar conta das seleções – e olhe lá! Fla e Flu têm condições de peitar a Ferj, pois são maiores do que ela. E, se mostrarem firmeza de propósitos, atrairão o aval da tevê – e daí não haverá urro de cartola que assuste.
Assusta pra valer a voracidade da corrupção no esporte. A BBC, emissora estatal inglesa, revelou que há muito funciona esquema de arranjos de resultados em partidas de tênis, por pressão de apostadores petulantes. Sistema semelhante àquele que, se supunha, existisse apenas no futebol: sujeito ou grupos de pessoas colocam dinheiro pesado em determinados jogos – de preferência em “zebras” – e apelam para todos os meios para se darem bem. Uma das formas mais comuns é a de oferecerem dinheiro para os tenistas. Tem gente graúda na falcatrua.
A denúncia choca porque o tênis tem a aura de atividade chique, praticada por pessoas de bom nível econômico, cultural e social. O trabalho da BBC derruba o mito e só confirma que, quando se aliam cupidez e falta de caráter, o terreno fica fértil para o crescimento da corrupção. A pergunta agora é: vai sobrar para alguém?
Pressão da Ferj sobre Fla e Flu e denúncias de arranjos no tênis mostram distorções no esporte