BC sinaliza, em nota, alta mais suave da taxa de juros e agrada ao governo
O Banco Central provocou ontem um grande nervosismo no mercado financeiro ao indicar que pode deixar hoje a taxa básica de juros estável em 14,25% ao ano ou elevá-la de uma forma mais suave do que sinalizava até então. O mercado trabalhava, até ontem, com um aumento da Selic em 0,50 ponto porcentual. Mas mudou de rumo após a divulgação de uma carta do presidente do BC, Alexandre Tombini, que enfatizava a “rápida e pronunciada deterioração” das previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia brasileira.
Na carta, Tombini informou o que parecia ser óbvio demais para constar de uma nota oficial: o Comitê de Política Monetária (Copom) levará em consideração essas novas informações para decidir o rumo dos juros. A decisão do Copom será anunciada hoje, após o segundo dia de reunião do colegiado.
O FMI divulgou que a retração econômica do País este ano será de 3,5% e haverá estagnação em 2017. A projeção é mais pessimista que a estimativa do BC de queda de 1,9% em 2016, e que já foi altamente criticada por analistas pelo “excesso de otimismo” no fim do ano passado. Para o mercado, o recuo deste ano será de 2,99%, com recuperação de 1% em 2017.
Essa mudança de postura do BC foi imediatamente interpretada como uma desculpa perfeita para que a instituição pegasse mais leve com a alta dos juros, atendendo aos apelos do Planalto e abafando as já antecipadas críticas do PT. A mudança de rumos manifestada ontem pelo BC agradou tanto ao governo quanto ao partido.
As reações a essa guinada de posicionamento passaram pela decepção, perplexidade e desconfiança sobre a autonomia da autoridade monetária e até pe- lo sentimento de traição. “Desculpa, mas não convence”, escreveu o banco americano BBH para seus clientes. Para a instituição, nenhum banco central deveria considerar as previsões do FMI em suas decisões. Essa mudança de curso, disse o banco, amplia o sentimento negativo dos investidores. Cenário. Para o economistachefe da MB Associados, Sérgio Vale, os comentários do presidente do BC “abriram a possibilidade explicitamente de não subir a taxa (Selic)”, o que afeta fortemente a credibilidade da instituição que até, então, segundo ele, vinha sinalizando para uma alta do juro básico. “Ina- creditável o BC fazer isso de véspera. Absolutamente injustificável usar os dados do FMI para isso quando o mercado inteiro já está com o cenário consolidado muito ruim para este ano e o ano que vem”, disse Vale.
O ajuste das estimativas do FMI pode até não ter sido trivial, dada sua magnitude, mas o BC já contava com a recessão econômica em seus balanços. O discurso era o de que seu mandato prevê o controle dos preços e que não está ligado ao desempenho da atividade.
Até por isso, analistas enxergavam num hipotético aumento mais agressiva da Selic um grito de autonomia do BC, que anda com sua credibilidade arranhada. Agora, essa aposta foi pelo ralo. Logo após a nota de Tombini, grande parte das projeções dos economistas mudou de 0,50 ponto porcentual de elevação da Selic para 0,25 ponto e até estabilidade. As taxas de juros futuros de curto prazo derreteram, a inflação implícita medi- da pela negociação de títulos públicos (NTN-B) ficou pressionada e o dólar foi a R$ 4,0591.
Dois ex-integrantes do Copom se disseram “perplexos” com a nota de Tombini, para quem uma postura dessas não tem par na história do BC. “É contraditório com toda a linha apresentada desde o fim do ano passado. Ou o BC não passou os recados certos ou teve de mudar de posição de última hora, o que é muito pior”, avaliou um deles. “Todos os sinais do BC eram mais hawkishes (inclinado ao aperto), apesar da recessão. Não entendemos o motivo de Tombini passar um recado tão dovish (suave) no meio do caminho”, disse outro ex-membro.