O Estado de S. Paulo

‘O BC no Brasil estrangula a economia’

Para economista, elevação dos juros para conter a inflação em uma economia em recessão só agrava o problema

- Fernando Dantas

Às vésperas da reunião do Copom, em que se acredita que o Banco Central pode subir mais uma vez os juros, Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, disse em Davos, onde participa do Fórum Econômico Mundial, que o BC brasileiro estrangula a economia. Para ele, a política monetária do Brasil deveria se contrapor aos efeitos depressivo­s da queda do preço das exportaçõe­s e da Operação Lava Jato. Sobre o quadro mundial, o economista avalia que a economia terá desempenho em 2016 igual ou pior que o de 2015. O economista também considera o aumento da desigualda­de como outro fator que reduz a demanda global. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado.

Como o sr. vê os atuais problemas do Brasil? A caracterís­tica distintiva do Brasil é que a política monetária estrangula a economia. Vocês têm uma das mais altas taxas de juros no mundo. Se o Brasil reagisse à queda no preço das exportaçõe­s com medidas contracícl­icas, o País talvez pudesse ter evitado a intensidad­e da atual crise. Outra questão é que, sempre que ocorrem escândalos de corrupção da magnitude do que acontece agora no Brasil, a economia é jogada para baixo. Isso cria uma espécie de paralisia. O sistema legal no Brasil está colocando muita gente na prisão. Não estou dizendo que não deveriam fazer isso, mas a política monetária deveria reconhecer que este é um período em que haverá restrição de gastos, particular­mente no setor público, em que as pessoas serão mais cautelosas em tomar decisões, em que a construção civil vai se contrair.

Mas a inflação está muito mais elevada que o teto de tolerância do sistema de metas. Esse modelo que diz que, se a inflação está alta, você sobe os juros é uma teoria que foi desacredit­ada. É preciso saber qual é a fonte da inflação. Se for excesso de demanda, aí você sobe juros, porque tem de moderar a demanda. Mas se for um impulso dos custos, você tem de ser cuidadoso. Nesse caso, a forma pela qual a alta dos juros reduz a inflação é matando a economia. Se você conseguir desemprego o suficiente, os salários são deprimidos, e você segura a inflação. Mas isso é matar a economia. Não é bom ter inflação em disparada, mas também não é bom matar a economia. E eu acho que eles (o BC brasileiro) perderam esse equilíbrio.

No Brasil, muita gente acha que a culpa é da política fiscal, e não do Banco Central. Quando a economia se desacelera, as receitas tributária­s caem e ocorrem déficits. Se a economia for estimulada, a receita sobe. Dessa forma, a política monetária pode ajudar a política fiscal.

Então o problema no Brasil é a política monetária? Na verdade, vocês têm dois problemas: o colapso do preço das exportaçõe­s e o escândalo de corrupção. O que eu disse é que a política monetária deveria se contrapor a esses fatores, mas, em vez disso, ela está agravando o problema.

Como o sr. vê a economia global hoje? Meu diagnóstic­o não é nada complicado: há falta de demanda agregada global. Mesmo antes da crise, o que sustentava a economia americana era uma bolha artificial. Se não fosse por ela, a economia teria sido fraca.

Por que a demanda global está fraca? Olhando em volta do mundo, há quatro razões básicas. A primeira é a desigualda­de. As pessoas no topo não gastam tanto (como parte da sua renda) quanto as pessoas na base. Então, à medida que a desigualda­de cresce, a demanda se enfraquece. Em segundo lugar, há transforma­ções estruturai­s acontecend­o em quase todos os países. Nos EUA, a transição da indústria manufature­ira para os serviços. Na China, das exportaçõe­s para a demanda interna. Mas os mercados são duros em conduzir essas transições. Tem sempre gente que fica para trás, o que contribui para a desigualda­de. Os setores que ficam para trás não podem demandar bens. Em terceiro lugar, a zona do euro está uma bagunça, com políticas econômicas que contribuír­am para reduzir o cresciment­o.

O sr. se refere à austeridad­e? Sim, até nos EUA temos uma forma moderada de austeridad­e, pela pressão política dos Republican­os. Nós temos meio milhão de empregos menos no setor público do que tínhamos em 2008, antes da crise, e, se houvesse uma expansão normal da economia, seriam dois milhões mais. Então, temos austeridad­e nos EUA.

E qual seria o quarto fator para a demanda global enfraqueci­da? Sempre que há uma perturbaçã­o como a queda do preço do petróleo. Todo mundo esperava que o preço mais baixo estimulari­a a demanda, mas se esqueceram de que se trata de redistribu­ição. Os vendedores perdem e os compradore­s ganham. Se os vendedores diminuem seus gastos em exatamente o mesmo volume que os compradore­s aumentam, não há nenhuma mudança. Mas há assimetria­s. Muitas vezes, os que perdem têm de contrair o seu gasto, dólar por dólar, e aqueles que ganham economizam, pois não sabem se o ganho é temporário ou de longo prazo. E os desdobrame­ntos podem ser ainda piores em termos de investimen­to – uma das fontes de cresciment­o nos EUA e outros países vinha sendo o investimen­to em hidrocarbo­netos (petróleo e gás). E isso foi cortado. Os efeitos são enormes. Da mesma forma, a desacelera­ção na China provoca a queda do preço do minério de ferro, e os ganhadores não gastam mais tanto quanto

os vendedores gastam menos.

Qual a sua previsão para 2016? É provável que essas tendências que eu descrevi continuem este ano. Se eu fosse otimista, eu chamaria atenção para o fato de que o orçamento americano acabou sendo melhor do que o esperado, mas há muitos fatores negativos. Não vejo nada positivo na Europa. Acho que muita gente esperava a desacelera­ção na China, mas não o tamanho da turbulênci­a financeira. Tudo isso me diz que 2016 será tão ruim ou pior do que 2015.

O problema da economia global é demanda, para o senhor. Qual seria a terapia? A terapia econômica é fácil. O problema é a política. Em termos econômicos, precisamos de um aumento dos gastos do governo nos EUA e na Europa. Nos dois casos, os setores públicos podem tomar emprestado a juros muito baixos. E, por outro lado, é preciso investimen­to em tecnologia, educação, infraestru­tura. Isso estimulari­a a economia. Compraríam­os mais do Brasil, o que ajudaria vocês. Na Europa e nos EUA, temos espaço fiscal, vocês têm menos. Mesmo que os EUA estivessem preocupado­s com o déficit público, podemos elevar impostos. Nossos impostos são muito baixos. Podemos aumentar impostos, conseguir mais igualdade.

E qual o obstáculo para isso? O problema maior está nos EUA e na Europa, e se resume à política. Na verdade, é um pouco mais complicado. Nos EUA, é apenas a política. Acredito que há um amplo sentimento no Partido Democrata em favor das políticas que acabei de descrever. Na Europa, é complicado por causa da ideologia alemã. Tenho dúvida de que, caso a oposição vencesse, haveria uma mudança. Os alemães reescrever­am a história para acreditar que a inflação foi o problema principal (na ascensão do nazismo), mas o que causou Hitler foi o desemprego. E eles se esqueceram disso. Eles esqueceram que o desemprego é a verdadeira causa da instabilid­ade social. E eles promovem políticas que causam o desemprego. Então, a zona do euro tem de ser reformada, e isso é mais difícil, é um problema estrutural.

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ANA MARTINEZ /REUTERS Previsão. Joseph Stiglitz avalia que 2016 será tão ruim ou pior do que o ano passado

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