O Estado de S. Paulo

Oadeus aomestre

Diretor italiano tinha 84 anos e estava internado desde o domingo, dia 17, em uma clínica de Roma

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Artista de orientação política de esquerda, Scola era atento aos conflitos e contradiçõ­es sociais, sem, por isso, esquecer o caráter frágil e humano de seus protagonis­tas. Por isso, outro de seus melhores filmes é Feios, Sujos e Malvados (1976), em que descreve a brutalidad­e dos desvalidos, sem apelo a caricatura­s ou ao bommocismo da caridade cristã. Talvez seja, de sua obra, o filme que mais dialogue com outro gigante, o espanhol Luis Buñuel.

Em outro registro, em Um Dia Muito Especial (1977), mostra como é possível fazer a síntese de dramas pessoais e tragédias coletivas.Sophia Loren faz a boa esposa italiana, que permanece em casa enquanto marido e filhos vão assistir (e aplaudir) o encontro entre Mussolini e Hitler, selando a aliança entre o Duce e o Führer. No prédio, fica apenas mais um inquilino, desinteres­sado daquela festa fascista: o homossexua­l vivido por Marcello Mastroiann­i. Os dois se aproximam, nesse dia muito especial, mas são incapazes de abandonar seus respectivo­s casulos emocionais.

Temas históricos sempre interessar­am a Scola, mas vistos por sua ótica particular e de maneira sempre pessoal. Assim, em Casanova e a Revolução (1982), escala de novo Mastroiann­i para viver o arquétipo do sedutor, Giacomo Casanova, agora envelhecid­o.

Dialogando agora com John Ford de No Tempo das Diligência­s, faz de uma carruagem uma espécie de microcosmo da Europa durante a Revolução Francesa. Como pano de fundo, a prisão do casal real, Luis XVI e Maria Antonieta, numa pequena cidade, quando tentavam deixar o país (no original francês, o título é La Nuit de Varennes).

Em O Baile, ousa ao fazer de um salão de danças outro microcosmo, o da sociedade italiana, mostrada em suas passagens históricas mais marcantes. Sem diálogo, apenas com música e atores. Numa das cenas mais tocantes, um antigo bailarino, o mais hábil do salão, insiste em dançar, mesmo tendo perdido uma perna numa das trágicas guerras europeias.

Scola reflete sobre diversos te-

O Comissário Pepe (1969)

Ciúme à Italiana (1970)

Rocco Papaleo (1971)

Nós que Nos Amávamos Tanto (1974)

Feios, Sujos e Malvados (1976)

Um Dia Muito Especial (1977)

Casanova e a Revolução (1982)

O Baile (1983)

A Família (1987)

A Viagem do Capitão Tornado (1991)

Mario, Maria e Mario (1993)

Que Estranho Chamar-se Federico (2013) mas do seu tempo – a crise do cinema em Splendor (1988), a débâcle do Partido Comunista Italiano em face do neoliberal­ismo dominante em Mario, Maria e Mário (1993), o caráter acachapant­e da desigualda­de social em A História de um Jovem Homem Pobre (1995), a brutalidad­e da competição, eleita como sal da terra em um mundo que perdeu sua alma em Concorrênc­ia Desleal (2001).

Numa carreira de tantos pontos altos, é difícil encontrar os cumes dessa trajetória magnífica. Talvez esteja num conjunto de obras. Nós que nos Amávamos Tanto, Um Dia Muito Especial, Casanova e a Revolução e este extraordin­ário A Viagem do Capitão Tornado (1991), com uma atuação magnífica de Massimo Troisi como Pulcinella.

Scola participou do Festival de Veneza de 2013 com Que Estranho Chamar-se Federico, celebração da amizade entre ele e Fellini. O filme provocou uma torrente de lágrimas emocionada­s na plateia. Na entrevista, Scola estranhou aquela reação. Disse que tinha feito um filme feliz para lembrar seu amigo no 20º aniversári­o de sua desapariçã­o. Perguntou: “Lamentamos quando se vai alguém que nada conseguiu realizar. Mas lamentar Federico, que teve uma vida completa?” Talvez o que disse a propósito de Fellini se aplique a si mesmo. Obrigado, maestro.

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DIVULGAÇÃO Bastidor. Em seu último filme, ‘Que Estranho Chamar-se Federico’

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