MAPA DO TRAJETO
clandestina de madeireiras e a polêmica presença de empresas de exploração de petróleo. É nesse ponto final da viagem que Euclides registraria o drama dos “sipibos”, como grafou o nome da tribo que estaria, para ele, condenada à extinção. Os shipibos, porém, ainda resistem em meio à contaminação dos rios por garimpos e petroleiras; são antes de tudo fortes como os sertanejos da Bahia. Eles podem ser vistos nos verões amazônicos, quando os rios baixam e praias brancas surgem no deserto verde.
O verão é tempo de colher ovos de tracajás, pescar, plantar banana, arroz, milho e mandioca nas margens do rio adubadas por sedimentos trazidos pelas águas e negociar couros de bichos com regatões. Em 2011, o Estado encontrou no Ucayali shipibos, descendentes dos homens e mulheres descritos por Euclides. O grupo visto pela equipe do jornal era formado por adultos e crianças maltrapilhos, com problemas de saúde.
A etnia guardava até décadas passadas um costume registrado por viajantes europeus no século 19. Pais colocavam uma tábua na testa e outra na nuca do recém-nascido, alongando a cabeça para ficar quase triangular, como uma mitra de bispo. Hilário Panduco, de 70 anos, é possivelmente da última geração que ainda passou pela prática. A chegada da Igreja Católica, de homens de governo e outros forasteiros contribuiu para o fim dessa tradição.
Panduco mostrou quatro longas cicatrizes na cabeça. Entre os shipibos, um marido traído tira uma lasca de pele da cabeça do rival para que tudo fique bem. No fim do verão amazônico, em meados de dezembro, os shipibos colhem suas plantações e preparam a volta ao interior da floresta, onde passarão outros seis meses.
Ideal. De Manaus, Euclides justificou a aventura ao escrever, numa carta, que “nossa vida é sempre garantida por um ideal, uma aspiração superior”. “E eu tenho tanto que escrever ainda...” Ele não teria tempo para concluir o projeto de seu segundo grande livro. Seringal
Sobral
Santa Rosa
do Purus
Puerto Esperanza
Triunfo Três anos após o fim da expedição, morreu numa troca de tiros com o amante de sua mulher. Mas, como fizera antes no processo de criação de Os Sertões, escreveu artigos, notas e ensaios preparativos.
Num desses textos, ele ousou questionar a história oficial peruana. “O Peru tem duas histórias fundamentalmente distintas. Uma, a do comum dos livros, teatral e ruidosa, reduz-se ao romance rocambolesco dos marechais instantâneos dos pronunciamentos. A outra é obscura e profunda”, avaliou no estudo Brasileiros, publicado pelo Jornal do Commercio, do Rio, em 1907 – quase 50 anos antes de José María Arguedas publicar o romance Os Rios Profundos, um clássico peruano.
A viagem de Euclides deixaria uma contribuição à geografia. A expedição registrou um trecho ainda desconhecido do Purus. O escritor ponderou que se tratava de um trecho novo para a “ciência geográfica”, mas não para os Manoel Urbano
Paysandu
Santa Cruz
São Brás
caucheiros que por ele trafegavam.
Caminho. É possível que, em algum momento, o registro científico de um trecho do Purus e a pesquisa intelectual de Euclides, que abrangeu praticamente toda a extensão do Amazonas, incluindo afluentes e subafluentes, sejam marcas mais visíveis de seu pioneirismo. Um Paraíso Perdido, livro que não conseguiu publicar, demarcaria para sempre a “fronteira” da área do trópico que tornaria universal a prosa sulamericana. O semiárido, o sopé dos Andes e a selva amazônica estariam nos romances do regionalismo de Guimarães Rosa e do realismo mágico de Gabriel García Márquez, Manuel Scorza e Mario Vargas Llosa. Possivelmente, a experiência amazônica, suas malárias e seus termos regionais, atingiria, nos últimos anos de Euclides, a veia profética do repórter. “Abri uma picada”, avaliou, ao saber que um conhecido também escrevia sobre o interior.