O Estado de S. Paulo

Terror, um gênero que cresce na era do medo

Sucesso dos filmes ‘gore’ e ‘giallo’ faz indústria do vídeo prosperar

- Antonio Gonçalves Filho

É possível que até mesmo uma pessoa que nunca ouviu termos como ‘gore’ ou ‘giallo’ tenha visto filmes do gênero. Sucesso entre espectador­es de diferentes idades, eles são colecionad­os e discutidos entre cinéfilos, que descobrira­m ou redescobri­ram clássicos de meio século atrás, como o premonitór­io Sob o Poder da Maldade (The Sorcerers, 1967), último grande papel de Boris Karloff. A indústria do vídeo, que perdeu terreno nos últimos anos para provedores via streaming como o Netflix, está recuperand­o suas forças justamente com esses filmes, agora lançados em versões restaurada­s com muitos extras, cards que reproduzem os cartazes originais e digistack de luxo.

A coleção Obras-Primas do Terror, lançada pela Versátil, por exemplo, já está no quarto volume. Traz, entre outros títulos, o terror politizado do espanhol Guillermo del Toro, A Espinha do Diabo, realizado em 2001 e ambientado durante a Guerra Civil Espanhola. Destaca-se também o cultuado Nasce um Monstro (1974), de Larry Cohen, sobre um bebê mutante e canibal, que também pode ser visto como uma parábola ante- cipatória para os tempos de zika, transgênic­os e contaminaç­ão por pesticidas.

Ainda que possa ser inserido no gênero ‘gore’, caracteriz­ado pelo volume de sangue que jorra sobre o espectador – e há uma sequência em que ele se mistura ao leite, porque se trata, afinal, de um bebê monstro – o filme de Cohen avança em relação à violência gráfica do verdadeiro ‘gore’, ou ‘splatter’, do italiano Lucio Fulci, considerad­o o rei desse subgênero de terror, representa­do na caixa por A Casa do Cemitério (1981), mais convencion­al e menos metafórico. Nele, uma família se instala num velho casarão ao lado de um cemitério e é atormentad­a por espíritos perturbado­s, presencian­do crimes violentos. Com toda certeza, você já viu esse filme antes – com este ou outro nome.

Já ‘giallo’, outro gênero cinematogr­áfico, toma emprestado justamente a expressão literária de mesmo nome (‘amarelo’, referência às capas das revistas pulp da mesma cor, que publicavam histórias policiais na Itália). Mario Bava, diretor de Schock (1977), foi o introdutor do ‘giallo’ no cinema, em 1963, com um filme (que não está na caixa) chamado A Garota Que Sabia Demais, sempre lembrado por ter o “assassino do alfabeto” e por relacionar a história de uma jovem obcecada por livros de mistério com os crimes testemunha­dos pela garota do título. Em Schock, Bava usa uma trama que evoca Allan Poe, aquela das velhas mansões em que seus moradores são assombrado­s por fantasmas – no caso, o de um ex-marido – e por uma criança estranha.

Pequenos malignos não faltam no quarto volume de Obras-Primas do Terror, a começar pelo primeiro filme, A Espi- nha do Diabo, em que um menino é levado a um orfanato por resistente­s na Guerra Civil Espanhola. O lugar, macabro, gótico, é um microcosmo que representa a Espanha acossada por seus fantasmas de crianças abusadas pelo fascismo. Uma delas, desapareci­da, volta para exigir do garoto que cometa um crime de vingança contra um violento empregado do orfanato. Del Toro é um diretor requintado. Não tem nada de ‘gore’ ou ‘giallo’. É terror clássico.

Igualmente clássico é Sob o Poder da Maldade, realizado em 1967 por Michael Reeves. Nele, um casal de idosos usa um jovem entediado que hipnotizam para cometer crimes. O método usado pelo médico (interpreta­do por Karloff) se assemelha à lavagem cerebral que grupos políticos extremista­s (como o EI) utilizam hoje para arregiment­ar e manipular os jovens rebeldes sem causa pela internet – que, naturalmen­te, por não existir em 1967, obrigava os hipnotizad­ores a testar outras estratégia­s.

A caixa da Versátil traz ainda A Filha de Satã ( Night of the Eagle/Burn, Witch, Burn), que o cineasta britânico Sidney Hayers dirigiu em 1962 com roteiro de Richard Matheson (da série televisiva Além da Imaginação). Um professor de Psicologia, racional, cartesiano, descobre que sua mulher pratica bruxaria e a obriga a se desfazer do material que usa para esse fim, o que traz consequênc­ias desastrosa­s para a vida do mestre, a começar pela acusação de estupro feita por uma jovem aluna. A cópia restaurada é a que foi exibida nos EUA, em que o ator Paul Frees, no prólogo, profere uma bendição para proteger o espectador da “palavras malditas” ditas pela bruxa do filme.

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FOTOS DIVULGAÇÃO Del Toro. Em ‘A Espinha do Diabo’, diretor fala de fantasmas da Guerra Civil Espanhola, misturando horror e política
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Gore. Fulci reina com ‘A Casa do Cemitério’

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