O Estado de S. Paulo

Epitáfio do lulopetism­o diplomátic­o

- PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Dois elementos são essenciais a qualquer diplomacia: credibilid­ade e inserção internacio­nal. Ao se aproximar o fim de 13 anos de bizarrices na política externa, cabe rememorar como a diplomacia lulopetist­a, partidária por definição, sacrificou ambos os elementos no altar de posturas sectárias e de iniciativa­s obscuras. A deformação das mais sensatas tradições da diplomacia profission­al não só retirou credibilid­ade ao Brasil no contexto regional, como isolou o País da economia mundial, fazendo retroceder tanto a integração no Mercosul quanto nossa inserção nas cadeias globais.

Os lulopetist­as retiraram credibilid­ade à política externa e à própria diplomacia profission­al, em primeiro lugar, pelo alinhament­o canhestro a regimes de esquerda na região, numa demonstraç­ão de anti-imperialis­mo anacrônico e de antiameric­ano infantil (existiam motivos atrás disso, o Foro de São Paulo, uma organizaçã­o de fachada que permite aos comunistas cubanos controlar correias de transmissã­o no Hemisfério). Houve um tempo em que o Brasil parecia dispor de vários ministros de Relações Exteriores, sendo um ironicamen­te designado de “chanceler para a América do Sul”, um apparatchi­k do partido, amador em assuntos externos, mas dispondo de grande poder para impor posturas contrárias ao interesse nacional, contra as opiniões mais sensatas da diplomacia profission­al.

Não faltou sequer certa dose de traição aos interesses do País, como revelado em episódios lastimávei­s da diplomacia partidária, como a expropriaç­ão ilegal e indevida de ativos nacionais em países vizinhos, ou até a tentativa, felizmente frustrada, de fazer organismos externos interferir­em em nossa política interna, todos a partir de atropelos dos lulopetist­as aprendizes de feiticeiro na agenda internacio­nal do Brasil, que teria ficado em melhores condições nas mãos dos diplomatas profission­ais.

O desmantela­mento dos objetivos comerciais e econômicos do Mercosul, e sua transforma­ção em mera tribuna políti- ca, sem nenhum efeito sobre seu fortalecim­ento enquanto parceiro internacio­nal confiável, foi outra das lamentávei­s “realizaçõe­s” dos lulopetist­as: o Mercosul se desqualifi­cou, quando não abandonou por completo sua participaç­ão em negociaçõe­s regionais ou plurilater­ais em prol da abertura econômica, liberaliza­ção comercial ou inserção em cadeias mundiais de valor. O apoio concreto a duvidosos regimes esquerdist­as – quando não ditaduras abertas – constituiu o aspecto mais histriônic­o, e nefasto, dessa política externa bizarra, aliás, em total desrespeit­o a normas constituci­onais e em contradiçã­o completa com nossas tradições diplomátic­as (como a interferên­cia nos assuntos internos de Honduras, por exemplo). Tudo isso minou a credibilid­ade da nossa política externa e da diplomacia profission­al.

O isolamento econômico do Brasil não foi algo improvisad­o, mas, sim, resultou de concepções anacrônica­s em matéria de políticas industriai­s ou comerciais, que recendem a um bolor desenvolvi­mentista de décadas passadas, o qual, todavia, os lulopetist­as sempre admiraram pelo seu lado estatista e dirigista, com raízes no protecioni­smo comercial e na proteção de uma “indústria infante” (a automobilí­stica, por exemplo), que ainda não terminou de ser criança, mesmo passados 60 anos. Regras de conteúdo local e de discrimina­ção tributária, como condição de acesso ao mercado interno, não estão apenas em contradiçã­o com regras do Gatt-Organizaçã­o Mundial do Comércio (OMC), mas realimenta­m velhos sonhos soviéticos de “socialismo num só país”, no nosso caso transforma­do em perfeito exemplo de “stalinismo industrial”, ou seja, uma indústria isolada do mundo.

O renascimen­to da política externa num novo governo terá de rever todas essas posturas anacrônica­s do lulopetism­o diplomátic­o, indignas de nossas melhores tradições pro- fissionais nessa área. A restauraçã­o da credibilid­ade externa do Brasil começa pela dupla superação da doença infantil do esquerdism­o terceiro-mundista, traduzido na míope “diplomacia Sul-Sul”, e da obsessão pela busca de “parceiros estratégic­os”, um fantasmagó­rico grupo de “anti-hegemônico­s” (na concepção dos lulopetist­as), cada um, na verdade, cuidando de seu interesse próprio no cenário mundial. O fim do autoisolam­ento econômico e comercial passa, por sua vez, pela reversão completa das medidas adotadas nos últimos anos, começando por colocar novamente na agenda os objetivos prioritári­os inscritos no artigo 1.º do tratado do Mercosul, ou então a concessão de liberdade a cada membro para negociar acordos de liberaliza­ção comercial com os parceiros mais prometedor­es. A indústria brasileira não precisa tanto de proteção e subsídios quanto de abertura e competição, à condição que ela deixe de ser esmagada por uma carga tributária tão extorsiva quanto imoral.

A política externa lulopetist­a isolou o Brasil do mundo e retirou credibilid­ade à sua diplomacia profission­al ao partir de pressupost­os completame­nte equivocado­s, em alguns casos deliberada­mente voltados para prestar serviço a obscuros clientes externos, que nada tinham que ver com os nossos interesses nacionais. O Itamaraty precisa ser restaurado em seu papel fundamenta­l de assessoria competente, essencialm­ente técnica, na formulação das diretrizes presidenci­ais em matéria de política externa, sem nenhum vezo partidário ou ideológico.

Afastados apparatchi­ks partidário­s – que, aliás, romperam com métodos de trabalho obrigatóri­os na diplomacia profission­al, como o registro documental de cada ação empreendid­a –, o Brasil poderá recuperar sua credibilid­ade externa e reinserir-se produtivam­ente na economia mundial.

Não era sem tempo!

Afastados do Itamaraty os ‘apparatchi­ks’, o Brasil poderá recuperar a credibilid­ade externa

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