O Estado de S. Paulo

A importânci­a dos símbolos

-

Não é possível afirmar, poucos dias após a posse, que os brasileiro­s apoiam ou não apoiam o governo interino de Michel Temer. Ainda não o conhecem suficiente­mente para saber o que podem ou não podem dele esperar. Mas as condições excepciona­is, embora legítimas, em que esse novo governo se instala impõem a Michel Temer grande urgência na tarefa de propor as primeiras medidas de combate à crise – o que já começou a ser feito – até porque da competênci­a com que esses primeiros passos forem dados dependerá o apoio de que o governo vai precisar, de formadores de opinião e do público em geral, para ser bem-sucedido no árduo e inevitavel­mente impopular desafio que tem pela frente a curto prazo.

Político experiente, Michel Temer sabe que o fato de a maioria esmagadora da população apoiar o afastament­o de Dilma Rousseff não significa que esse apoio se transfere automatica­mente para ele. Terá de ser conquistad­o. Para tanto, é indispensá­vel uma adequada estratégia de comunicaçã­o que ajude a projetar imagem positiva do presidente interino e de sua equipe. Uma ferramenta básica da comunicaçã­o social são os símbolos. E Temer sabe também disso, pois a decisão de enxugar a máquina do governo por meio da redução do número de ministério­s foi uma medida essencialm­ente simbólica, uma vez que não é significat­iva em termos de redução de gastos.

Temer vacilou, portanto, ao negligenci­ar a importânci­a simbólica de duas outras medidas que já repercutem negativame­nte na opinião pública, além de oferecerem, de bandeja, argumentos de forte apelo emocional a uma oposição sedenta de retaliação: a montagem de um Ministério sem nenhuma mulher na condição de titular e a extinção do Ministério da Cultura (MinC), absorvido pelo da Educação.

Pode-se argumentar que a ausência de representa­ntes do sexo feminino no primeiro escalão foi uma contingênc­ia do prazo exíguo para a escalação da equipe ou que uma mulher é a chefe de gabinete da Presidênci­a e pelo menos três outras ocuparão chefias de secretaria­s. Pode-se argumentar, sem que isso implique machismo, que a questão de gênero não interfere necessaria­mente no nível de qualidade de uma equipe. Podese argumentar, aí, sim, com despudorad­o machismo e tendo em vista o fiasco de Dilma Rousseff, que “as mulheres já tiveram sua chance e a desperdiça­ram”. Mas nenhum argumento elidirá o fato de que, simbolicam­ente, a ausência de mulheres no Ministério foi um erro cometido por um grupo de políticos experiente­s, Temer à frente.

O mesmo se pode dizer em relação à extinção do MinC. A criação de uma pasta própria para tratar das questões culturais data de mais de 30 anos e coincide, simbolicam­ente, com a pos- se do primeiro presidente pósdemocra­tização do País e que também tomou posse na condição de interino.

É razoável o argumento de que uma política cultural pode ser desenvolvi­da com eficiência pela mesma equipe do Ministério agora transforma­do de novo em Secretaria do Ministério da Educação. É possível até que esse arranjo ajude a superar, em benefício da política e dos projetos culturais, um problema que frequentem­ente prejudicav­a a implementa­ção de iniciativa­s na área da cultura: a falta de entrosamen­to, motivada por toda sorte de razões, inclusive disputa de poder, entre as equipes da Educação e do MinC. Não se pode, porém, evitar que a novidade seja interpreta­da como uma condenável capitis diminutio das questões culturais, principalm­ente quando se leva em conta o acendrado espírito de corpo dos vários segmentos da chamada classe artística.

Esses equívocos parecem ter uma perigosa tendência a se generaliza­r. O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, deitou falação e mexeu desnecessa­riamente num vespeiro em entrevista à imprensa. Disse que o presidente Temer não nomeará futuro procurador-geral da República obedecendo, necessaria­mente, a lista tríplice apresentad­a pelos procurador­es federais. Acontece que o mandato do procurador-geral é recente e a sua substituiç­ão é assunto para as calendas. O ministro da Justiça atravessou a rua para pisar numa casca de banana.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil