O Estado de S. Paulo

A crise e a Justiça do Trabalho

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Os efeitos do aumento da desocupaçã­o no País, que chegou a 10,9% da força de trabalho no trimestre encerrado em março, com a marca de 11,1 milhões de desemprega­dos, já são sentidos nos tribunais. Entre janeiro e março, as 1.570 Varas Trabalhist­as do País receberam 660.837 novos processos – cerca de 6% a mais do que no mesmo período de 2015. Nos 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o aumento do número de recursos foi igualmente de 6% com relação ao primeiro trimestre do ano passado.

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) estima que, por causa da crise, as Varas Trabalhist­as deverão receber este ano um adicional de 3 milhões de novos processos. Se a previsão se confirmar, representa­rá aumento de quase 13% em relação a 2015. Entre 2014 e 2015, o número de novas ações trabalhist­as cresceu 5,1%. “O tsunami está chegando até nós”, diz o presidente do TST, Ives Gandra da Silva Martins Filho.

A maioria das ações versa sobre pagamento de horas extras, cobrança de verbas rescisória­s, adicional de insalubrid­ade e recolhimen­to de FGTS. Por causa da retração do mercado e da queda nas vendas, muitas empresas não sobreviver­am e não têm recursos para pagar os direitos dos demitidos. Outras estão reduzindo o número de funcionári­os – e os que permanecem empregados ficam sobre- carregados, tendo de trabalhar mais sem receber hora extra. Antes da crise, empregados demoravam, em média, um ano após a data da demissão para processar os antigos patrões. Com a crise, a média caiu para três meses.

Resultante do aumento do desemprego, o aumento da informalid­ade também é responsáve­l pela avalanche de novos processos na Justiça do Trabalho. Por sentirem mais a crise do que as grandes corporaçõe­s, empresas de pequeno e médio portes tendem a contratar trabalhado­res de forma irregular por um período determinad­o, o que acaba multiplica­ndo o número de reclamaçõe­s protocolad­as nas Varas Trabalhist­as. Até executivos que ocupam cargos intermediá­rios estão processand­o as empresas. Como os cortes orçamentár­ios atingiram o Poder Judiciário, acarretand­o na Justiça do Trabalho uma redução de 90% dos investimen­tos e de 29,4% das despesas de custeio, muitos juízes trabalhist­as alegam que não têm condições de dar conta do aumento do número de novos processos. Apesar de o Executivo já ter comunicado que não há dinheiro, eles pedem mais recursos para a Justiça do Trabalho, que já gasta 93,5% só com folha de pagamento. Outros magistrado­s têm surpreendi­do pela sensatez e pelo realismo, entendendo que nas crises econômicas é preciso estimular o Congresso a aprovar reformas legislativ­as destinadas a preservar empregos, e não a multiplica­r direitos trabalhist­as, o que penalizari­a as empresas num contexto de retração de mercado.

“É nos períodos de crise econômica que um sistema legal trabalhist­a mostra se oferece proteção real ou apenas de papel ao trabalhado­r. Quanto mais rígido o sistema, menos protetor ele é. As empresas quebram e os trabalhado­res ficam sem emprego. Por isso, um período de crise exige uma reforma legislativ­a que dê maior flexibilid­ade protetora. Quando as leis e a Justiça fazem exigências exageradas, elas acabam com postos de emprego e prejudicam os trabalhado­res. É preciso afrouxar um pouco a corda que vai enforcando a todos e encontrar o ponto de equilíbrio entre a justa retribuiçã­o aos trabalhado­res e ao empresário empreended­or”, disse o ministro Ives Gandra ao site Consultor Jurídico. Ele concedeu a entrevista quatro dias depois de o presidente Michel Temer ter defendido a reforma trabalhist­a em seu discurso de posse.

Enquanto a reforma trabalhist­a não vem, para enfrentar o aumento do número de processos a Justiça do Trabalho toma iniciativa­s ao seu alcance, como é o caso da uniformiza­ção da jurisprudê­ncia pelos TRTs. A medida orienta a aplicação das leis pelas Varas Trabalhist­as, deixando para o TST o julgamento dos casos mais complexos. No momento em que os trabalhado­res mais dependem da instituiçã­o, isso é o mínimo que ela tem de fazer.

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