Dilma critica comunicados do Itamaraty
Presidente afastada emite nota acusando Relações Exteriores de tentar justificar ataque ao estado de direito; governo responde a El Salvador
Em reação à nova linha de atuação do Itamaraty, que tem rebatido às acusações de ilegitimidade do governo de Michel Temer, a presidente afastada Dilma Rousseff emitiu ontem uma nota em que ressalta a “indignação internacional diante da farsa jurídica aqui montada.” Ela acusou o “Ministério Interino de Relações Exteriores”, agora chefiado pelo tucano José Serra, seu adversário nas eleições presidenciais de 2010, de tentar “justificar um ataque ao Estado Democrático de Direito.”
Ontem, a pasta divulgou outra nota, no mesmo tom das anteriores, para responder ao governo de El Salvador, que afirmou não reconhecer o governo interino e ameaçou chamar sua embaixadora para consultas – o que, na linguagem diplomática, expressa uma forte divergência. A orientação na diplomacia brasileira é não deixar ataques desse tipo sem resposta.
Na nota, Dilma expressa preocupação com o risco de outros países da região se espelharem no que ocorre no Brasil, “promovendo a desestabilização de governos legítimos”. Afirma também que a política externa será conduzida por forças partidárias “submissas às grandes potências”, que “não têm autoridade política ou moral para invocar o princípio de soberania”.
Ela declara, ainda, que “governos e povos da América Latina” estão preocupados com as “ameaças” ao Mercosul. É conhecida a posição de José Serra pela qual o bloco econômico deve ser uma zona de livre comércio, o que lhe daria o direito de negociar acordos comerciais como país e não como bloco econômico. El Salvador, por sua vez, afirmou ter havido no Brasil “manipulação política” e “golpe”.
Em resposta divulgada ontem, o Itamaraty afirmou que as manifestações “revelam amplo e profundo desconhecimento sobre a Constituição e a legislação brasileiras, sobre o rito aplicável em processos de impedimento e sobre o pleno funciona- mento das normas e instituições democráticas no país.” Foi o mesmo tom das respostas dadas na sexta-feira a Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América e ao secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper.
A nota a San Salvador ressalta ainda a “estranheza” com “tantos equívocos” por parte do governo salvadorenho, uma vez que aquele país mantém “intensas relações econômicas” com o Brasil, além de ser “o maior beneficiário de cooperação técnica brasileira em toda a América Central.” E diz esperar que aquele país reconsidere sua posição. El Salvador já teve uma primeira-dama brasileira: Vanda Pignato, mulher do ex-presidente Ernesto Funes, que venceu as eleições em 2009.
Cargo. As reações às críticas ao governo em exercício de Temer marcam uma nova orientação da política externa brasileira, cujas linhas serão expostas amanhã pelo ministro das Relações Exteriores, na cerimônia de transmissão de cargo no Palácio do Itamaraty.
Fontes notam, por exemplo, que existe a possibilidade de Samper enfrentar dificuldades em seu projeto de reeleger-se para o cargo de secretário-geral da Unasul. Seu mandato se encerra em agosto próximo, e o posto é preenchido mediante consenso entre os países-membros (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Surina- ..., sobretudo quando têm costumeiramente praticado a ingerência nos assuntos internos de outros países da região. Governos e povos da América Latina estão também preocupados (... ) com sua disposição de estabelecer acordos econômicos e comerciais profundamente lesivos ao interesse nacional.
me, Uruguai e Venezuela). Em uma entrevista coletiva na semana passada, ele avaliou o processo sucessório no Brasil como “preocupante” e apontou para o risco de ele comprometer o Estado democrático de direito no Brasil e em toda a região, o que foi contestado pelo Itamaraty.