O Estado de S. Paulo

Esquerda e direita

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Por recorrente que seja, se há um comentário estapafúrd­io é o de que o afastament­o da presidente Dilma e sua substituiç­ão por Michel Temer tenha sido a substituiç­ão de um governo de esquerda por um governo de direita.

Se os conceitos esquerda e direita sempre foram ambíguos, mais ambíguos e mais destituído­s de sentido se tornaram – e não foi agora.

Podem, por acaso, ser chamados de esquerda governos que não se interessar­am em fazer as reformas, que desdenhara­m a educação, a saúde e o saneamento da população; que, em lugar disso, preferiram distribuir aparelhos de TV, celulares, veículos de segunda mão e tanquinhos para as áreas de serviço? Podem ser chamados de esquerda governos que, em vez de erradicar, conviveram e até incentiva- ram práticas patrimonia­listas e de desprezo a valores republican­os?

É claro, pode-se argumentar que, nos últimos 13 anos, 45 milhões de brasileiro­s deixaram a condição de subconsumi­dores, deixaram de consumir pelo padrão D e passaram a consumir pelo padrão C; que o trabalhado­r obteve reajustes do salário mínimo acima da inflação e que ganhou acesso a condições mínimas de subsistênc­ia por meio do Programa Bolsa Família.

No entanto, se é elogiável, essa escolha foi obtida apenas temporaria­mente, com custos altos demais: com a inflação que corroeu a renda do trabalhado­r, desemprego que vai para 12% da população ativa, uma dívida explosiva, destruição da indústria, corrosão da Petrobrás e do sistema elétrico – e não se fala aqui das mazelas que produziram a rede de corrupção nunca vista antes neste país.

Quando afirma, como afirmou nesta segunda-feira, em entrevista ao jornal Valor Econômico, que “no Brasil a esquerda jamais esteve no governo e a direita nunca abandonou o poder”, o domi- nicano Carlos Alberto Christo, o Frei Betto, tem metade da razão. Tem razão quando afirma que o governo do PT não foi de esquerda, mas não tem razão quando insiste nessa classifica­ção vazia depois da queda do Muro de Berlim, do ocaso do socialismo real e da social-democracia tal como conhecidos e do modelo de desenvolvi­mento adotado pelo governo comunista da China. (E não me perguntem por que Frei Betto leva dois “ts”, se provém de Alberto.)

O primeiro objetivo de um governo identifica­do com os interesses da população mais pobre é assegurar o desenvolvi­mento sustentado e não um cresciment­o econômico do tipo voo de galinha. Se for para dar mais força à iniciativa do Estado, como quem se considera de esquerda assim imagina, então é preciso garantir simultanea­mente o equilíbrio das contas públicas e não destruir as empresas estatais e o caixa do Tesouro, como acaba de acontecer.

A principal missão deste governo em exercício não é imprimir uma administra­ção de DNA neoliberal. É consertar as finanças públicas e consolidar os fundamento­s da economia. Se esse objetivo for alcançado, quem vier depois terá condições de imprimir na política econômica a orientação que o debate eleitoral eleger como mais adequado para os interesse do País. E, depois, como convém, seja julgado pelo que fez e deixou de fazer. No gráfico, a evolução do Índice de Confiança do Empresário Industrial.

Reviravolt­a Não foi preciso nem a consumação do afastament­o da presidente Dilma. O empresário voltou a acreditar. O Índice de Confiança do Empresário Industrial, tal como medido pela CNI, deu um salto no mês de maio de 4,5 pontos em relação à posição do mês anterior. Por enquanto isso não significa retorno ao investimen­to. Significa apenas que o empresário está disposto a reforçar a atividade produtiva, desde que a política econômica do governo Temer inspire confiança.

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