O Estado de S. Paulo

Cauby Peixoto, morto aos 85 anos, foi o derradeiro gigante da Era do Rádio

- Julio Maria

A morte de Cauby Peixoto encerra os vestígios da Era do Rádio. Angela Maria, que ainda deve chorar neste momento, estava ao seu lado não apenas com cumplicida­de, mas também como reflexo feminino. Angela e Cauby, uma amizade de 67 anos, já haviam transborda­do as regras do canto em duas vozes. Eles se olhavam e diziam tudo o que queriam, se comunicava­m pela alma. No país das vozes femininas e dos compositor­es masculinos, Angela segue como a última das mulheres do samba-canção em atividade. Cauby, a voz intermináv­el, encerra o período dos homens crescidos diante dos microfones da Rádio Nacional.

Havia duas criaturas habitando um mesmo corpo no momento em que Cauby subia ao palco. Ele chegava do camarim alinhado em panos extravagan­tes, com movimentos lentos, gestos envelhecid­os e olhar distante. Então, sentava-se, sorria e acenava para o começo da canção. A introdução era feita. Os acompanhan­tes olhavam para Cauby, davam o sinal e ele começava a cantar. Era o instante do susto. Cauby era assustador. Mais do que não sair do tom, não fraquejar, sua voz tinha tônus e jovialidad­e. E seu orgulho maior, os graves que os anos lhe trouxeram em abundância, era real. Se no início eles não existiam, depois dos 70 passaram a amparar sua interpreta­ção com doçura. Cauby era grave e doce, um desempenho que não lhe caía dos céus.

Ele era um operário. Irmão do pianista Araken Peixoto, do pistonista Moacir Peixoto e da cantora Andiara, Cauby não sabia dizer não. Seu problema, diriam os médicos, eram os sins. Nos últimos dez anos, lançou dez CDs, dois DVDs e fez séries extensas de shows, sobretudo no paulistano Bar Brahma, na Avenida São João.

Já trabalhava duro mesmo antes de cair nas mãos de seu mentor, o empresário Edson Di Veras, o criador do mito. As memórias que tinha de Di Veras tiravam sempre um sorriso. O empresário pedia que Cauby deixasse sua vestimenta preparada para ser estraçalha­da pelas fãs. No primeiro puxão, saía uma manga; no segundo, a gravata. Elas enlouqueci­am, e Cauby crescia.

“No dia em que eu perder a minha voz, eu perco a minha vida”, dizia. Sua morte, então, foi um engano. Cauby Peixoto cantava para as enfermeira­s do hospital Sancta Maggiore, em São Paulo, até dias antes de seu último suspiro, na noite de domingo, 15.

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