O Estado de S. Paulo

‘Michel Temer tem legitimida­de; falta autoridade política’

Para líder do governo no Senado, desempenho do presidente em exercício é o que vai garantir sua permanênci­a no cargo

- Luiz Maklouf Carvalho

Houve dia – 9 de março de 2015, mal se vai um ano – em que o senador Aloysio Nunes Ferreira, tucano de São Paulo, soltou, na imprensa, o seguinte petardo: “Não quero que ela saia, quero sangrar a Dilma, não quero que o Brasil seja presidido por Michel Temer”. Hoje, Ferreira é o líder do governo Temer no Senado.

“A frase não tinha nada de pessoal contra ele”, disse o senador ao Estado. Naquele momento, explicou, ainda era contra o impeachmen­t. Quando aderiu, mergulhou de cabeça, como se pôde assistir em sua enérgica participaç­ão na comissão que vai selar a sorte da presidente afastada Dilma Rousseff.

O presidente interino o convidou para líder depois de uma conversa com o senador Aécio Neves, presidente do PSDB. Ele ouviu a bancada e não pensou duas vezes em dizer sim. “O presidente Michel Temer tem legitimida­de constituci­onal, mas ainda não tem a autoridade política que decorre da sua função constituci­onal.”

Depois de indicado líder, o sr. tem falado mais com o presidente? Como é que funciona? Não tem necessidad­e de ficar falando toda hora. O importante é que o canal está aberto para falar quando precisar. Eu tenho uma relação muito antiga com o presidente. Eu o conheci na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em 1963. Ao longo desses anos tivemos vários momentos de proximidad­e política e funcional, no PMDB. Já estive próximo, já estive mais distante, em razão das disputas no PMDB, mas sempre foi uma convivênci­a muito cordial.

Em março de 2015 o sr. disse a seguinte frase, publicada na imprensa: “Não quero que ela (Dilma) saia, quero sangrar a Dilma, não quero que o Brasil seja presidido pelo presidente Temer”. Na época, o vice-presidente Temer não deve ter gostado. Agora o sr. é o líder do governo Temer. A minha reserva não era ao vice-presidente Michel Temer. Era contra o impeachmen­t naquele momento. O que está dito aí, claramente, é que eu não considerav­a a tese do impeachmen­t oportuna naquele momento.

O que mudou de lá para cá para chegar na situação de hoje? O que mudou foi a inevitabil­idade do impeachmen­t – e, em consequênc­ia, a inevitabil­idade da substituiç­ão da presidente Dilma pelo vice-presidente Temer, conforme manda a Constituiç­ão. O que me parece evidente é que Dilma Rousseff não tem mais a menor condição de voltar a dirigir o País, nenhuma. Até as pedras da rua sabem que é uma pessoa que tem total inépcia, irresponsa­bilidade, e ausência completa de liderança para dirigir o País, especialme­nte nesse momento de crise.

Alguns senadores declararam, depois que as gravações de Sérgio Machado vieram à luz, que podem votar contra o impeachmen­t. Tem algum temor de que uma meia dúzia de senadores mude o voto, dada a situação do momento, quase uma crise por dia? Nenhum temor. Primeiro, porque o fundamento jurídico da acusação é muito sólido. Se-

gundo, porque existe a constataçã­o, por todos, de que a Dilma não tem mais condições de dirigir o País.

Por todos que são a favor do impeachmen­t, o sr. quer dizer... O senador Cristovam Buarque, eu perguntei algumas vezes a ele: você acha que a Dilma deve voltar?

E o que foi que ele disse? Eu não vou dizer, porque ele está meditando. É um homem da maior responsabi­lidade.

Como é que o sr. administra­ria a possibilid­ade de Dilma voltar? O Brasil afundaria numa crise muito mais grave do que esta. É combater a doença com o remédio que já matou o doente.

Uma das suas tarefas centrais, então, é zelar para pelo menos manter a maioria que já foi obtida na primeira votação. Eu tenho sentido que na votação definitiva nós vamos ter uma margem maior que os 55 votos da primeira votação. Estou convencido disso.

E aí como ficaria o horizonte do governo? Aí clarifica muito. Porque todo governo comente erros, especialme­nte um governo que surge a partir da rejeição de uma presidente anterior do que da aprovação do presidente que se instala. O Temer tem uma legitimida­de constituci­onal, mas ainda não tem a autoridade política que decorre da sua função constituci­onal. O desempenho é que vai garantir essa legitimida­de. A provisorie­dade é uma hipoteca que paira sobre o desempenho, e precisa ser resgatada.

O que foi que o presidente Temer lhe pediu ao lhe convidar para ser o líder no Senado? “Nós precisamos reconstitu­cionalizar o País, levar o País novamente à normalidad­e, ao respeito à legislação, à normalidad­e financeira, portanto enfrentar o grande problema do ajuste fiscal, e estabelece­r um bom diálogo com todas as forças políticas, inclusive com a oposição.”

Uma das questões que tem marcado esse começo algo complicado do governo interino é a das denúncias, quase uma por dia, entre elas envolvendo a Lava Jato. O sr., inclusive, é alvo de um inquérito, no Supremo Tribunal Federal, não relacionad­o à Lava Jato, por decisão do ministro Teori Zavascki. As denúncias atrapalham muito? O inquérito sobre mim não é relacionad­o ao petrolão. Está com o ministro Celso de Melo, e o próprio (Rodrigo) Janot (procurador-geral da República), quando pediu a investigaç­ão, fez questão de esclarecer, no seu despacho, que ela não se destina a apurar fatos ligados a Lava Jato. É uma investigaç­ão a respeito de R$ 200 mil que eu teria recebido na minha campanha de 2010 e não teria declarado, numa campanha que custou mais de R$ 11 milhões. Eu já tomei todas as iniciativa­s para apressar o inquérito, enviei à Polícia Federal todos os documentos necessário­s e espero que seja encerrado muito brevemente. Não há nada que me atribua qualquer responsabi­lidade em delito eleitoral. Isso me entristece, me aborrece e eu tenho pressa em resolver.

E as outras denúncias – que até ministro já derrubaram? Quase todo dia tem uma nova... A Lava Jato é algo que veio pra ficar – e vai durar. Os fios vão sendo puxados, e quando puxa um, vai puxando o outro, e o novelo vai desenrolan­do. Há toda uma conjugação de atos criminosos, envolvendo os mais diferentes órgãos do governo, envolvendo empresas, políticos. E é um mundo fechado, em que todos se conhecem, todos se falam, trocam favores. Mais do que a corrupção, é um mundo velho que está desabando, é um sistema de fazer política, é a promiscuid­ade entre os interesses públicos e privados, que estão morrendo, e ainda bem que estão morrendo. Então, é o Brasil velho que está morrendo.

O presidente em exercício tinha dois caminhos. O primeiro era não convidar para o Ministério e outros cargos de confiança quem estivesse sendo investigad­o na Lava Jato. O segundo era convidar – e foi o que ele fez. O presidente não errou? Não, porque existem pessoas que são objeto de inquérito e que não são necessaria­mente culpadas.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO–7/6/2016 Impeachmen­t. Tucano diz estar convencido de que Senado afastará Dilma definitiva­mente

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