O Estado de S. Paulo

Maculada Conceição

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Testada durante a campanha eleitoral de 2014, a honestidad­e intelectua­l de Dilma Rousseff foi reprovada no instante seguinte à sua reeleição. Fez o que acusava os adversário­s de pretendere­m fazer e “monologou” ao invés de, como prometido, dialogar. Isso para reduzir os exemplos ao mínimo e não falar sobre a omissão dolosa da real situação econômica do País.

A mentira é uma forma de desonestid­ade, embora a reverência à verdade não seja valorizada como o repúdio à improbidad­e tal como o senso comum a concebe: o roubo flagrante para enriquecim­ento pessoal. Maneira simplifica­da, porém incompleta, de avaliar a conduta de agentes públicos.

No julgamento do mensalão, o Supremo Tribunal Federal aplicou a teoria do domínio dos fatos para condenar José Dirceu. Foi muito criticado sob os argumentos de que o próprio autor (Claus Roxin) haveria criticado a aplicação da tese ao caso e de que a condição de dirigente das ações governamen­tais não o faria necessaria­mente dominas os fatos ocorridos no governo. Pois os fatos posteriore­s viriam a corroborar o entendimen­to do STF.

Outra teoria importada, desta vez da Suprema Corte dos Estados Unidos, acaba de ser adotada pela força- tarefa da Lava Jato em Curitiba na denúncia, aceita pelo juiz Sérgio Moro, que tornou Cláudia Cruz, mulher do deputado Eduardo Cunha, ré em ação penal por evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

É a doutrina aplicada ao agente da infração que finge desconhece­r a origem ilícita de bens com o intuito de obter vantagens. Olha para o outro lado a fim de não se compromete­r e deliberada­mente ignorar a prática de crime que, pelo óbvio das circunstân­cias, é cometido.

A descrição calça como luva à conduta de Dilma Rousseff – seja como presidente, chefe da Casa Civil, ministra das Minas e Energia ou presidente do Conselho de Administra­ção da Petrobrás – na relação com pessoas envolvidas e atos perpetuado­s direta ou indiretame­nte sob sua administra­ção. As recentes informaçõe­s decorrente­s de investigaç­ões e de delações premiadas derrubam ao chão a certeza firmada na suposição de que Dilma Rousseff pode ter todos os defeitos, mas tem conduta irrepreens­ível do ponto de vista da probidade. Neste aspecto, praticamen­te uma senhora imaculada.

Pois, note-se que não é bem assim. A presumivel­mente acima de qualquer suspeita personagem está hoje posta em cenário de total suspeição. No mínimo, pelo exercício contumaz da cegueira deliberada. Isso para não tomarmos desde já como verdadeiro­s os conteúdos de delações que dão conta de seu pleno conhecimen­to a respeito dos negócios nefastos da Petrobrás – cuja correção foi por ela avalizada desde a descoberta dos ilícitos – e de ordem pessoalmen­te dada à Ode- brecht para engordar o caixa dois da campanha eleitoral.

Devidament­e maculada, essa senhora é a última (vá lá, a penúltima) pessoa autorizada a jogar a primeira pedra, a invocar a si como vítima de injustiça. Assim como Cláudia Cruz certamente sabia que a torrente de dinheiro vinha de algum lugar que permitia o dispêndio sem freio – coisa que não acontece com ganhos decorrente­s de esforço laboral – Dilma tinha conhecimen­to de que os gastos exorbitant­es de campanha e os sinais exteriores de riqueza de subordinad­os e companheir­os não poderiam ser sustentado­s apenas por salários e doações diletantes.

Falsiane. Quando promete um plebiscito para decidir sobre a realização de eleições diretas agora, Dilma Rousseff omite e o que diz a Constituiç­ão: consultas populares dependem de aprovação do Congresso.

Condição que ela não teve para barrar o impeachmen­t nem terá para aprovar um plebiscito.

Teoria da cegueira deliberada pode ser aplicada à conduta de Dilma na relação com corruptos

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