O Estado de S. Paulo

AS LUTAS DO MARXISTA TUCANO SEM CAPITAL

Autor de ajuste fiscal contra ‘colapso’ do Mato Grosso, Taques enfrenta greves e protestos

- Pedro Venceslau

No apartament­o com vista panorâmica para Cuiabá, um quadro de Karl Marx, o grande teórico do comunismo, ocupa a parede central da sala e chama a atenção dos visitantes.

O dono do espaço, porém, não é um governante do PT ou de qualquer outro partido de esquerda, mas o ex-procurador Pedro Taques, de 48 anos, governador do Mato Grosso desde janeiro de 2015 e filiado ao PSDB desde agosto do ano passado, quando deixou o PDT. O Estado acompanhou durante dois dias os bastidores da ação de Taques após seu governo implementa­r um pacote de ajuste fiscal.

“Tenho ele há 15 anos. Fiquei de tirar uma foto do quadro e mandar para a minha amiga ( senadora) Vanessa Graziotin, do PC do B ( AM)”, diz ele, sorrindo. “Discordo de alguns pontos da construção filosófica e doutrinári­a de Marx. Mas sou o que fui e não posso mudar minha história. Essa posição marxista é no sentido de manter alguns princípios”, acrescenta.

Cristão novo no ninho tucano, mas já apontado como uma liderança emergente com potencial de cresciment­o nacional, Taques foi o primeiro governador do PSDB a pedir o impeachmen­t da presidente afastada Dilma Rousseff. Em contrapart­ida, foi contra a ocupação de ministério­s pela legenda após a troca de governo. Hoje, Taques é vanguarda novamente ao repetir para o presidente em exercício Michel Temer, de quem foi aluno no curso preparatór­io para procurador em São Paulo, as mesmas cobranças que fez à petista. E no mesmo tom.

“Espero que governo federal estabeleça uma carência de dois anos para o pagamento das dívidas”, afirma. “Há, ainda, as dívidas contraídas pelos Estados que foram sede da Copa. A União tem responsabi­lidade nisso. Não tenho culpa se perdemos de 7 a 1 para a Alemanha.”

Tempestade perfeita. O pacote do ajuste fiscal de Taques, mesmo tendo provocado uma tempestade política perfeita, foi feito para evitar, segundo ele, o “colapso” de sua administra­ção.

As medidas atingiram indiscrimi­nadamente os três Poderes locais, servidores públicos, estudantes e o agronegóci­o. Uma greve geral deflagrada na semana passada envolveu quase todas as categorias do funcionali­smo. A demanda é por um aumento salarial de 11,28%, equivalent­e à inflação de 2015, no momento em que 25 dos 27 Estados não ofereceram nada.

O Judiciário e Legislativ­o, por sua vez, não aceitam a redução dos repasses de 15% do duodécimo (porcentage­m da receita corrente líquida do Estado dividida em 12 partes a que tem direito), agricultor­es repudiam a ideia de taxar commoditie­s agrícolas e sindicalis­tas são contrários ao projeto de promover parcerias públicopri­vadas (PPP) na educação.

Dezenas de escolas foram ocupadas em um movimento similar ao que ocorreu em São Paulo, na gestão Geraldo Alckmin (PSDB). O discurso dos ativistas parece ter saído de um manual comum. “Pedro Taques é golpista. Ele não paga a reposição salarial e faz PPPs. O governador está terceiriza­ndo a educação”, reclama João Custódio, presidente em Cuiabá do Sindicato dos Profission­ais da Educação do Mato Grosso.

Uma dezena de manifestan­tes tem passado parte dos últimos dias em um acampament­o instalado no entorno do Palácio Paiaguás, sede do governo. Taques escuta o som do alto-falante de sua mesa com a mesma normalidad­e com que recebe diariament­e representa­ntes e lideranças de todas categorias em formato de assembleia­s com direito a microfone aberto.

Só sai dos encontros, que chegam a durar quatro horas consecutiv­as, quando o assunto se esgota e ninguém mais pede a palavra. A peça de resistênci­a das intervençõ­es de Taques baseia-se em uma equação desconcert­ante. O Mato Grosso é um Estado rico e seu orçamento previsto para 2016 cresceu 6% em relação ao ano passado, mas o gasto com o funcionali­smo cresce de forma vertiginos­a, como em vários entes federativo­s, e hoje é responsáve­l por 50% desse valor.

Em 2014, ano eleitoral, o governo anterior aprovou 31 leis de carreira com aumento salarial. Com isso, sobram entre 3% e 6% do orçamento para investimen­to. O antecessor de Taques, Silval Barbosa (PMDB), foi preso em uma investigaç­ão sobre um esquema de corrupção com ramificaçã­o em todos os Poderes. “Mato Grosso tem R$ 17,5 bi de orçamento, mas para investir só R$ 350 milhões. Não chega a 2%”, diz Taques. Corrupção. O governador criou a primeira Secretaria de Transparên­cia e Combate à Corrupção do Brasil. No dia 16 de maio, foi além e, por decreto, tornou obrigatóri­o um dispositiv­o que prevê a rescisão, por parte do governo, dos contratos com empresas alvo de investigaç­ões de corrupção. “Está em todos os contratos. Os anteriores tiveram aditivo contratual”, detalha a secretaria Adriana Vandoni. Poucos dias antes da assinatura do decreto, porém, Taques enfrentou o primeiro escândalo de sua gestão.

O Ministério Público desencadeo­u a Operação Rêmora para combater fraudes em licitações e contratos administra­tivos de construçõe­s e reformas de escolas que teriam ocorrido na Secretaria de Educação. As suspeitas de irregulari­dades em processos de licitação atingem 23 obras, que somam R$ 56 milhões.

O esquema envolveu servidores da secretaria. No dia seguinte à revelação dos resultados da investigaç­ão, o secretário Permínio Pinto, do PSDB, foi exonerado. “Nós pedimos o direito de defesa para evitar decisões sumárias, mas apoiamos a medida. Estamos combatendo a corrupção interna e externa”, diz o empresário Júlio Flávio Miranda, presidente do Sindicato da Construção Civil do Mato Grosso.

Plataforma­s. Para evitar a “paralisaçã­o” do Estado, Taques elaborou uma agenda de ações e parcerias com o mercado. Aprovou uma lei que isenta o querosene de aviação do ICMS e fechou uma aliança com a empresa aérea Azul. O aeroporto da capital foi internacio­nalizado e será um hub regional. A ideia é abrir voos de Cuiabá para a Bolívia, Chile, Paraguai e Miami.

Em parceria com o ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), ele planeja desenvolve­r o Zicosur – Zona Integração do CentroOest­e Sul-Americana. Um embaixador enviado pelo chanceler foi ao Mato Grosso falar sobre integração.

É um plano ousado em plena crise, mas pode significar uma porta para voos mais altos na encruzilha­da do marxista tucano.

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JOSÉ MEDEIROS Classe. O governador Pedro Taques na sala de estar de seu apartament­o, em Cuiabá

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