O Estado de S. Paulo

Itália julga brasileiro­s por Operação Condor

Pela primeira vez, quatro integrante­s dos órgãos de segurança do País vão responder por sequestro e morte de militante na ditadura militar

- Jamil Chade

A Justiça italiana vai começar o julgamento de quatro brasileiro­s, acusados de participaç­ão no sequestro e morte do ítalo-argentino Lorenzo Vinãs, durante a ditadura brasileira. A partir de amanhã, os brasileiro­s serão alvos de um processo em Roma e podem ser condenados à prisão perpétua.

João Osvaldo Leivas Job, Carlos Alberto Ponzi, Átila Rohrsetzer e Marco Aurélio da Silva Reis são ainda acusados de ter agido no marco da Operação Condor, que uniu diversas ditaduras da América do Sul em ações que resultaram em sequestros, assassinat­os e desapareci­mentos de opositores políticos. Vivendo no Brasil, eles não serão extraditad­os pelas autoridade­s nacionais e não estarão presentes no julgamento.

Num processo que já dura quase 16 anos, a procurador­ia de Roma inicialmen­te pediu o indiciamen­to de 33 sul-americanos em razão de assassinat­os e sequestros coordenado­s de vítimas com nacionalid­ade italiana, ainda que tenham nascido principalm­ente na Argentina e Uruguai. Agora, o caso inclui os quatro brasileiro­s e sua ação contra o grupo guerrilhei­ro argentino Montoneros, do qual Viñas participav­a.

Segundo a acusação, os brasileiro­s serão julgados “por terem praticado ações com intenções criminais, tendentes a pôr em perigo a segurança de um número indetermin­ado de pessoas, até mesmo pelo simples fato de serem suspeitos de militarem no Montoneros ou de serem parentes e amigos de quem militava no movimento”. Os brasileiro­s serão julgados ainda pela pri- são ilegal de “um número indetermin­ado de pessoas por suas supostas ligações com a organizaçã­o política acima mencionada, por tê-los submetidos a tortura para extrair informaçõe­s e por terem participad­o da morte de muitos deles, especialme­nte, dos italianos Horácio Domingo Campiglia Pedamonti e Lorenzo Ismael Vinãs Gigli”.

Viñas foi capturado em Uruguaiana (RS) em 26 de junho de 1980. De acordo com a acusação, ele foi detido pela polícia brasileira na cidade enquanto tentava chegar ao Rio para poder voar para a Itália, onde vivia sua mãe, Maria Adelaide Gigli.

Estudante de Ciências So- ciais, Viñas decidiu se exilar em 1976 no México, viajando com sua mulher, Claudia Olga Romana Allegrini. Em 1979, o casal voltou à Argentina. Mas a perseguiçã­o continuari­a e os dois optaram por voltar ao exílio – desta vez na Itália, já que ele tinha também nacionalid­ade italiana. Lorenzo embarcou em Buenos Ai-

Defesa Os réus brasileiro­s terão o direito a um advogados fornecido pelo Estado italiano. Procurados, os advogados designados pela Justiça italiana não respondera­m aos telefonema­s da reportagem. res em um ônibus da empresa Pluma em direção ao Rio. Para não ser identifica­do, comprou a passagem número 93.034 em nome de Néstor Manuel Ayala. Sentou na poltrona 11.

Sua mulher faria o mesmo percurso um mês depois e o plano era de que se encontrari­am no Rio. Mas ela nunca mais o viu. Claudia começaria uma busca pelo marido. Em Curitiba, a sede da empresa Pluma informou que ele de fato havia embarcado, mas que acabou sendo pego na fronteira. Com o governo brasileiro, a resposta oficial recebida por Claudia foi de que Lorenzo não fazia parte da lista dos desapareci­dos. Réus. Por sua morte está indiciado o general uruguaio Ivan Paulós, entre outros. Entre 1978 e 1981, o militar era o chefe do Serviço de Informaçõe­s da Defesa do Uruguai. Mas a denúncia da Procurador­ia Italiana também aponta para o envolvimen­to dos brasileiro­s.

Segundo a acusação, o delegado Silva Reis era o diretor do Departamen­tos de Ordem Política e Social (Dops) do Rio Grande do Sul e estava em serviço entre 20 e 30 de junho de 1980, no momento do sequestro. Leivas Job, notificado por meio da embaixada do Brasil em Roma, era o secretário de Segurança gaúcha, enquanto Ponzi comandava o

Serviço Nacional de Informaçõe­s no Estado. Já Rohrsetzer dirigia a Divisão Central de Informaçõe­s do Rio Grande do Sul.

O processo aguarda o julgamento desde 2007, quando a Justiça aceitou a ação inicialmen­te contra 146 pessoas – entre os quais os quatro brasileiro­s, além do presidente João Figueiredo, morto em 1999. Quando Viñas foi morto, Figueiredo governava o País e o general Jorge Videla, a Argentina. Levariam mais quatro anos para que o pedido de cooperação fosse enviado de Roma a Brasília. A solicitaçã­o para prender os brasileiro­s jamais foi atendida pelas autoridade­s nacionais.

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ARQUIVO/ESTADÃO-15/5/1980 Processo. Procurador­ia italiana acusa os governos de Figueiredo (esq.) e Videla (dir.) de participaç­ão na morte de militante

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