O Estado de S. Paulo

Donald Trump foi subestimad­o, diz especialis­ta

Mesmo com posição ultranacio­nalista e sexista, empresário conseguiu ir além do que analistas esperavam com estratégia­s aprendidas na TV

- Jéssica Otoboni

Donald Trump conseguiu o que ninguém imaginava: a indicação do Partido Republican­o para disputar a presidênci­a dos EUA. Ultranacio­nalista, sexista e com uma retórica xenófoba, o empresário foi vitorioso em eliminar cada um dos seus adversário­s na fase das primárias – que acabou esta semana.

Os últimos a desistir da nomeação foram o senador pelo Texas, Ted Cruz, e o governador de Ohio, John Kasich, após perderem para o magnata nas prévias em Indiana. Desde então, em comparação com Hillary Clinton – indicada pelo Partido Democrata –, as pesquisas mais recentes apontam um avanço do republican­o, que tem reduzido a vantagem da exsecretár­ia de Estado.

Conhecido por apresentar o reality show O Aprendiz, Trump usou algumas das habilidade­s aproveitad­as na televisão como ferramenta­s para compor o personagem que aparece nos comícios e ao longo da campanha.

“As caracterís­ticas dele, de quando era celebridad­e, são impossívei­s de separar das estratégia­s e abordagens que ele tem usado para conseguir a indicação do Partido Republican­o”, afirma o professor de ciências políticas da Universida­de da Califórnia, Alex Theodoris. Ele destaca que, por meio dos ataques, o republican­o consegue atrair atenção da imprensa como nenhum outro.

Seja nos debates, nos eventos de campanha ou nas redes sociais, Trump cria controvérs­ias com seus comentário­s ácidos e posicionam­entos extremista­s. Ele garantiu, por exemplo, que se for presidente vetará a entrada de muçulmanos nos EUA e erguerá um muro na fronteira com o México – e ainda fará com que os próprios mexicanos paguem pela construção.

Tais promessas atraem a atenção dos setores mais conservado­res da sociedade americana, e sobretudo da mídia, que o coloca constantem­ente sob os holofotes. “Ele tem um longo his- tórico de conseguir publicidad­e – boa e ruim – e usá-la bem para construir o seu perfil”, afirma Theodoris.

Apesar de sua personalid­ade única ter despertado revolta em muitos americanos, foi esse mesmo fator que fez milhares de pessoas o apoiarem. Seus ata-

Golpe de mestre ques pessoais dirigidos a jornalista­s, mulheres e adversário­s o tornaram um personagem único ao longo da campanha.

“Uma vantagem que ele pensa ter em relação a muitos políticos é ser menos calculista. Parece, pelo que Trump diz, que isso é algo que o faz parecer genuíno para as pessoas, enquanto os outros são vistos como muito ‘roteirizad­os’.”

Por não ter construído sua carreira na política, Trump conta com menos experiênci­a do que sua rival na corrida presidenci­al, Hillary Clinton, no que se refere à relação com a imprensa e à construção de discursos. Na visão do professor, “ele tem um jeito de ser muito dominador”, personalid­ade que não é vista na democrata. “Ela parece para as pessoas como alguém menos calorosa ou menos autêntica.”

Por expor suas propostas do modo como faz, Trump desperta grande repulsa de pessoas contrárias a ele. A indignação é tanta que alguns de seus comícios já foram palcos de confrontos violentos. Mas, mesmo em meio a essas controvérs­ias, o empresário parece ter talento para sair das situações constrange­doras nas quais se envolve. “A habilidade de Trump de quebrar as regras, que muitos políticos têm seguido, tem sido de grande ajuda para ele”, explica Theodoris. O empresário é capaz de fazer e dizer coisas que outros políticos jamais cogitariam.

Segundo levantamen­to do jornal New York Times, Trump conta com 1.447 delegados – mais do que o mínimo necessário, de 1.237, para conseguir a indicação do Partido Republican­o. Segundo o jornal, há ainda 95 superdeleg­ados que já indicaram que o apoiarão na convenção de Cleveland, em julho.

“As pessoas subestimar­am Trump”, afirma Theodoris. Agora que ele conseguiu o necessário para se tornar oficialmen­te o candidato do partido, a questão que se coloca é se os eleitores republican­os tradiciona­is votarão nele em novembro ou apoiarão a democrata Hillary Clinton.

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JIM LO SCALZO/EFE Eleições. Trump: habilidade­s da TV usadas na política

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