O Estado de S. Paulo

‘Órfãos’ dos planos lotam clínica popular

Convênios perderam 1,9 milhão de pessoas em 18 meses, que foram para centros médicos com consultas a partir de R$ 89 e para o SUS

- Fabiana Cambricoli

Foi no mês de janeiro que a empresária Eliene Pereira Andrade, de 42 anos, sentiu na pele os efeitos da crise econômica. Com a queda crescente de clientes em seu restaurant­e popular no Butantã, zona oeste de São Paulo, ela fechou o comércio. Teve de optar por manter o colégio particular dos filhos e cancelar o convênio médico, que custava R$ 1.737 para ela e mais quatro pessoas. Eliene e a família migraram para o Sistema Único de Saúde (SUS). E não é o único exemplo.

Também por causa da crise, o contador Ademir Alegria, de 66 anos, decidiu cancelar o plano de saúde, de R$ 1.200. Portador de hepatite e sem convênio, ele passou a buscar atendiment­o em uma clínica particular popular, com consulta a R$ 98.

Assim como Eliene e Ademir, 1,9 milhão de brasileiro­s perderam o plano de saúde nos últimos 18 meses, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementa­r (ANS). Foi no fim de 2014 que a tendência de cresciment­o de clientes desse mercado se inverteu e o número de beneficiár­ios começou a cair, passando de 50,4 milhões, em novembro daquele ano, para 48,4 milhões em abril de 2016.

A queda de beneficiár­ios de planos vem trazendo dois principais impactos para o sistema de saúde brasileiro. Por um lado, mais pessoas passam a ser dependente­s da rede pública, já sobrecarre­gada pela alta demanda e recursos insuficien­tes. Por outro, clínicas particular­es com preços mais acessíveis, de olho nos órfãos dos convênios, abrem cada vez mais unidades e diversific­am a oferta de procedimen­tos.

“O plano de saúde é sensível a emprego e renda”, diz Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da Universida­de de São Paulo (FMUSP). Para o especialis­ta, o que mais preocupa é que, enquanto a demanda cresce, o investimen­to no sistema público cai. “Este seria o momento de o SUS receber mais recursos para estar preparado para atender mais pessoas”, opina.

Demora. A dificuldad­e de acesso a especialis­tas na rede pública já é sentida por quem perdeu o plano de saúde. A empresária Eliene reclama da demora para conseguir agendar uma consulta. “Estou com uma dor de cabeça muito forte desde fevereiro e acho que pode ser por causa de um problema na visão. Fui ao posto de saúde e consegui uma data com o clínico-geral só para setembro.”

Para quem não quer esperar, a alternativ­a tem sido pagar consultas particular­es em clínicas populares. No último ano, o contador Ademir já passou por gastroente­rologista, urologista e cardiologi­sta, pagando cerca de R$ 100 por atendiment­o. “Faço o acompanham­ento da hepatite e também os check-ups que preciso por um preço que, para mim, é justo”, diz ele.

Na rede dr.consulta, o número de especialis­tas e procedimen­tos oferecidos cresce mês a mês, assim como o de unidades. Em cinco anos de existência, já são 12 centros médicos inaugurado­s e mais de 40 especialid­ades disponívei­s. Dependendo do valor, o custo dos tratamento­s pode ser parcelado em até dez vezes sem juros. “O número de atendiment­os cresce 15% mensalment­e e, no último mês, aumentou 30%”, diz Marcos Fumio, vice-presidente da área médica do dr.consulta. A empresa pretende chegar a 30 centros médicos até o fim do ano.

No nicho do pronto-atendiment­o, a rede Dr. Agora também expande suas atividades, com consultas a R$ 89. Em um ano, foram cinco unidades inaugurada­s, algumas delas dentro de estações do metrô. “Com o cenário atual do Brasil, a demanda ficou ainda maior”, diz Gui- lherme Berardo, cofundador e CEO do Dr. Agora.

Para Mario Scheffer, as clínicas particular­es podem resolver problemas mais simples, mas os casos mais complexos continuarã­o a ser direcionad­os para o sistema público. “Em qualquer necessidad­e de maior complexida­de, a pessoa vai voltar a depender do SUS e, como essas clínicas não têm ligação com o sistema público, esses pacientes terão de começar o processo desde o início”, alerta.

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO–19/5/2016 Opção. Portador de hepatite, Alegria buscou clínica; professor alerta que essa solução não vale para casos mais complexos

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