O Estado de S. Paulo

‘Namoro fake’ para posar de comprometi­do

Serviço de relacionam­ento falso para rede social cresce 300% perto do Dia dos Namorados

- Edison Veiga

Em um mundo em que o Facebook é uma ampla janela de onde é possível espionar a gigantesca vizinhança, mensagens nas timelines alheias podem causar frisson.

“Quando eu estou em seus braços, tudo parece tão certo”, foi o recadinho deixado na linha do tempo de uma mulher de 21 anos – chuva de likes e coraçõezin­hos de amigas e o comentá- rio clássico de que “tá namorando”. “Vou te contratar para ser meu fisioterap­euta particular. Só meu. Ahahaha”, uma bela moça escreveu na linha do tempo de um fisioterap­euta de 38 anos, causando ciumeira em sua ex. “Tem certeza de que não vamos nos ver nesta semana?”, foi a provocação feita na linha do tempo de uma mulher solteira de 27 anos.

Todas as mensagens acima são verdadeira­s – foram mesmo postadas recentemen­te. Mas seus conteúdos são mentirosos, foram pagos. Trata-se do serviço Namoro Fake, inventado em 2013 por Flavio Estevam, empreended­or de Campo Grande. De lá para cá, o serviço de namoradas e namorados de mentirinha para posar no Facebook já foi contratado por 38 mil pessoas de 42 países diferentes. “E perto do Dia dos Namorados há um ‘boom’. As contrataçõ­es aumentam em 300% e precisamos ficar atentos, em plantão 24 horas”, comemora.

São quatro pacotes disponívei­s – o ficante (R$ 29,90 por três posts), o namorado (R$ 44,90, por dez posts), o namorado virtual (R$ 99, por 30 comentário­s e mudança no status de relacionam­ento do Facebook) e o namorado top (R$ 150 por apenas cinco comentário­s, mas de um namorado ou namorada “de beleza acima da média”, como explica Estevam). Entre as regras está a proibição de qualquer interação, além das mensagens previament­e combinadas entre o contratado e o contra- tante – sob pena de bloqueio de ambos.

“Na época da Copa, muitos gringos contratava­m porque queriam mostrar, para seus amigos nos países de origem, que haviam conseguido um namorado ou uma namorada do Brasil”, conta Estevam. “Estou esperando o mesmo na Olimpíada.”

Em geral, os clientes são pessoas que estão solteiras e têm sofrido pressões familiares ou de amigos – e querem melhorar essa imagem – ou aqueles que querem provocar ciúmes em ex-namorados. Mas tam- bém há aqueles que são homossexua­is ainda não assumidos e têm de fingir uma situação heterossex­ual. E até casos de pessoas que só querem fazer um afago na autoestima – como ao mandar flores para si mesma no trabalho. Sob a condição de anonimato, alguns clientes toparam contar o que lhes fez buscar o serviço rec e n t e me n t e . “Minha ex estava espalhando para todo mundo que eu ainda gostava dela, que eu não conseguia mais ninguém. Achei que era uma boa mostrar que não era bem assim”, diz um homem de 34 anos. “Sempre fui gordinho e ‘zoado’ na escola. Agora na faculdade, com essas postagens, estou conseguind­o chamar a atenção de mais ‘minas’”, afirma um estudante de 22 anos.

Cobranças. Para o psicólogo Ailton Amélio da Silva, professor da Universida­de de São Paulo (USP), a existência de um serviço como este é um “atestado da importânci­a exagerada que as pessoas dão para as cobranças sociais”. Cenário, segundo ele, potenciali­zado pelas redes sociais. “Muitos hoje têm valorizado mais as imagens no mundo virtual do que relacionam­entos e vivências reais”, avalia a psicóloga Imacolada Marino Gonçalves, da Faculdade Santa Casa e do Hospital Pérola Byington.

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DAVID MAJELLA/ESTADÃO Opções. Estevam cobra de R$ 29,90 a R$ 150 por pacote

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