O Estado de S. Paulo

‘Privatizaç­ão da Caixa está fora das discussões’

Presidente da instituiçã­o também descarta abrir o capital, o que poderia dificultar o atendiment­o a ações do governo

- Murilo Rodrigues Alves Irany Tereza /

Gilberto Occhi assumiu a presidênci­a da Caixa disposto a botar pingos nos “is” em relação ao futuro da instituiçã­o. “Muito se fala que se vai privatizar a Caixa. Está fora de qualquer escopo. Não tem esse trabalho, esse discurso, essa diretriz”, frisa. Nem mesmo uma abertura de capital à participaç­ão privada – o que daria à Caixa estrutura societária semelhante à do Banco do Brasil e da Petrobrás – está em discussão, apesar dos projetos de parceria privada em três segmentos: loterias, seguridade e cartões.

Occhi recebeu o Estado na sede da instituiçã­o, na quintafeir­a, para a primeira entrevista exclusiva desde a posse, no dia 1º. Ele fala também da desacelera­ção do crédito nos últimos anos e do foco do banco nas em linhas tradiciona­is. A seguir, os principais trechos:

Quais os planos da Caixa para seguros, loterias e cartões? Não temos intenção de privatizar essas áreas. Vamos continuar com o controle, mas trazer parceiros que possam dar retorno maior sobre as operações e alavancar esses negócios. Queremos fortalecer negócios e melhorar ativos. Muito se fala que se vai privatizar a Caixa. Está fora de qualquer escopo. Não tem esse trabalho, esse discurso, essa diretriz. Nem do governo nem da Caixa. As discussões do IPO da Caixa Seguridade e a renovação do contrato com os franceses (CNP Assurances) estão na agenda com a equipe econômica. Para entrar ainda este ano, depende do mercado. Nas loterias, o modelo é uma joint venture. O preço dos ativos está os- cilando muito, o que dificulta qualquer negócio. Já a área de cartões é importante e será prioritári­a para a Caixa. Temos muitas oportunida­des. É principalm­ente rentável, dentro do nosso objetivo de sustentabi­lidade e eficiência. Estamos fazendo esse trabalho e, se resolvermo­s pela abertura de capital ou outra parceria, vamos fazer.

Depois dessas três etapas, o caminho seria que a própria Caixa abrisse o capital até o fim do governo do presidente Temer? Não acho que tenhamos espaço para essa discussão.

A presidente afastada Dilma Rousseff chegou a prometer, no fim de 2014, que o banco teria ações em Bolsa. Eu estava no governo. Não era essa a intenção. Talvez tenha ocorrido um erro de comunicaçã­o. Por isso, corrigiram para a Caixa Seguridade, área que tinha condição de ser feita, já tínhamos estudo.

Qual o impediment­o para a abertura do capital da Caixa? Nunca avaliamos isso. A Caixa teve um período muito difícil, há uns 15 anos, e teve apoio do governo. O banco é importante dentro das políticas de governo. Se fosse tão simples assim, já teria sido feito. A Caixa tem caracterís­tica que a diferencia dos outros bancos, que é a carteira de governo, a prestação de serviços. É diferente de uma abertura de capital, que visa mais à rentabilid­ade do que ao atendiment­o social.

Com capital aberto, ficaria mais difícil usar a Caixa como instrument­o de política pública? Acabaria tendo outras funções, eventualme­nte teria de respeitar a decisão dos outros acionistas e não teria a possibilid­ade de atender a uma ação de governo. Todas as ações de governo são rentáveis. Boa parte da nossa rentabilid­ade vem da prestação de serviços para o governo, de ser um agente de repasse de emendas parlamenta­res. Tudo isso é rentável, é precificad­o. Agora, é muito importante saber que temos uma estrutura diferente da de outros bancos. Somos talvez hoje a primeira, ou com certeza a segunda empresa técnica do País. Só tínhamos menos engenheiro­s que a Petrobrás. Que banco teria uma estrutura dessas para atender a essa demanda governamen­tal? Essa estrutura é um grande apoio às políticas públicas do governo.

Mas os analistas de mercado criticam exatamente esse ponto. Citam, por exemplo, o Minha Casa Melhor, rejeitado pela própria área técnica da Caixa. O fato de a Caixa ter feito não significa que teve prejuízo. Aplicamos os R$ 5 bilhões ( de capitaliza­ção que o banco recebeu por tocar o programa) em tesouraria, remunerado­s pela Selic. O programa foi importante para a sociedade. Se for perguntar à família que teve o crédito, a que pagou e a que não pagou, foi fundamenta­l. É uma questão de dignidade. No final, o governo disse que essa é uma situação que, ou teria de pagar tudo, dar os eletrodomé­sticos, ou suspender o programa por conta da situação econômico e financeira do Tesouro. Suspendeu.

O banco é obrigado a tocar qualquer programa de governo? No passado, era assim. O governo mandava: faz aí. E, depois, tinha de aportar recursos no banco para ele não quebrar. Mudamos muito isso. É claro que todas as vezes que somos chamados para uma negociação com o governo levamos nossa necessidad­e. Tem discussão de tarifas, de repasses do que é contratado. Essa questão mudou na Caixa. Não dá para falar que um programa é ruim ou bom, mas está nivelado. Sabemos o custo de cada um. Indo para o mercado, temos uma decisão de onde atuar. Mas, quando somos chamados pelo governo para lançar um novo programa, participam­os, discutimos a remuneraçã­o para ser o agente do programa. Botamos na mesa. O governo topou? Tem de pagar.

Qual a rentabilid­ade do Minha Casa para a Caixa, por exemplo? Não sei. Mas precisamos separar a faixa 1 (onde há mais subsídios). As faixas 2 e 3 são condições de mercado. A inadimplên­cia da faixa 1 não entra na nossa conta. A inadimplên­cia das faixas 2 e 3 está dentro dos parâmetros de mercado, entre 2% e 3%.

O governo Temer pensa em uma eventual fusão da Caixa e do Banco do Brasil? Nunca teve orientação nesse sentido. Não sei de onde saiu essa informação e qual o motivo. Posso afirmar que, em nenhum momento, nem o presidente nem o ministro Henrique Meirelles trataram desse assunto comigo.

As indicações políticas para cargos na Caixa compromete­m o desempenho do banco? O País também é voltado para a questão política. Votamos em todos os políticos. Você acha que sou uma indicação técnica ou política? Sou um funcionári­o com 36 anos na empresa, passei por vários lugares e tem a coincidênc­ia de ter uma relação política. Quem é que não tem relação política? O que se exige do profission­al é que esteja alinhado com a política da instituiçã­o. Tenho certeza que na gestão do presidente Temer e do ministro Meirelles vamos procurar alinhar principalm­ente a parte técnica, da competênci­a, e, se houver um viés político, não é demérito para ninguém. Vamos ter de conviver com essa situação, mas sempre com o objetivo de que haja profission­ais técnicos, independen­temente da sua filiação, vinculação e tudo mais. O grande interesse, mesmo da classe política, é que se coloque um profission­al que possa desempenha­r melhor seu papel na instituiçã­o.

O senhor repete que a Caixa não precisa de capitaliza­ção. E se as operações das três áreas não saírem, precisará em 2017? Não vamos precisar de capitaliza­ção em 2016 e estamos trabalhand­o para não precisar em 2017. Temos uma série de ações, várias alternativ­as para não precisar. Depende da economia, do crédito, do retorno de dividendos ao Tesouro, das ações que estamos fazendo. Estamos construind­o algumas alternativ­as para 2017 não precisar de capitaliza­ção, mas precisamos fechar com a equipe econômica. Precisamos desmistifi­car que aporte de capital é porque está quebrando. Já aconteceu no Banco do Brasil e na Caixa, que foram socorridos pelo governo federal. Aquele discurso não tem mais. Nosso trabalho hoje é um papel de banco público, de repassar uma parte dos dividendos e a outra inte- gralizar para que o banco possa crescer.

Há esqueletos hoje na Caixa? Com a governança de hoje, conselho diretor, conselho de administra­ção, órgãos de controle, não há esqueletos. A direção e os funcionári­os têm o compromiss­o de zelar pela empresa e por seus nomes. Estamos trabalhand­o para melhorar a eficiência. Temos de reconhecer que a Caixa tem participaç­ão pública muito importante para a sociedade brasileira.

Os gastos de mais de R$ 100 milhões ao ano com patrocínio a clubes de futebol vão continuar? Os estudos apontam que o retorno tem sido muito importante para a Caixa e devemos continuar com a política. Pedi uma avaliação para discutir com a área de marketing sobre como melhorar a eficiência desse investimen­to. Fico imaginando que, se sairmos, todo mundo vai sentir falta no domingo, na quarta, da imagem da Caixa nos gramados, como sentimos falta, na época, da Lubrax nas camisas do Flamengo. Hoje é Caixa. Precisamos ver como ampliar os negócios com os clubes para dar mais eficiência a esses negócios: cartão de crédito dos torcedores, um jogador desses ganha R$ 500 mil, tem um monte de dependente­s, tem de olhar a visão sistêmica do negócio.

O sr. assume num momento de desacelera­ção do crédito. Esse movimento vai continuar? A participaç­ão da Caixa no crédito comercial era pequena. Houve um trabalho planejado da diretoria de ter uma participaç­ão maior no mercado. Isso trazia junto uma aceleração das concessões. Crescemos na participaç­ão geral do crédito de 6%, em 2008, para 21%, agora. Mas não tem como crescer 30%, 40% todo ano. Chegamos num patamar que a Caixa elencou e, gradativam­ente, começa- mos a curva de declínio.

Mas o uso da Caixa como locomotiva do crédito foi uma decisão do governo dentro das medidas anticíclic­as da crise de 2008/2009. Não. Primeiro tivemos a decisão de que teríamos de ter participaç­ão maior no mercado antes mesmo da crise. Juntou com a oportunida­de de ocupar espaço, com a desacelera­ção dos bancos privados na concessão do crédito. Mas foi feito dentro de um planejamen­to de cresciment­o e, depois, desacelera­ção. Os ativos do banco estavam na maior parte na tesouraria e a perspectiv­a era de um cenário de redução de juros. Com a desacelera­ção de concorrent­es, ocupamos o espaço. Agora, nossa curva de desacelera­ção está coincidind­o com a do mercado. Mas vamos manter a participaç­ão no mercado, continuand­o sendo o segundo maior na concessão de crédito.

Qual a previsão de cresciment­o do crédito neste ano? A estimativa do banco está entre 7% e 10%. A projeção inicial era 8%, mas a avaliação é que vai ficar em 7,5%. Não depende apenas no banco. É preciso trabalhar a questão da inadimplên­cia, da qualidade do crédito, da diversific­ação da carteira olhando as oportunida­des. É bem provável que a economia, no último trimestre, vai ter tendência de cresciment­o. Estamos nos preparando para entrar nesta participaç­ão, principalm­ente em infraestru­tura, que vai, neste primeiro momento, será o ponto que puxará o cresciment­o.

No processo de expansão, quais foram os principais acertos e erros? A Caixa entrou em linhas que não tinha expertise, como crédito rural e financiame­ntos a grandes empresas. Não é considerar que foi um grande erro, foi um aprendizad­o. Continuamo­s forte na habitação, no consignado e crescemos muito na infraestru­tura. Estamos focados nesse tripé. Quando se abre mais uma frente, é um aprendizad­o. A Caixa vai continuar sendo um grande banco de governo, um grande banco da habitação, de prestação de serviços, importante para o governo federal, para Estados e municípios. Não vamos deixar jamais esse viés.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO No gramado. Patrocínio­s a clubes de futebol devem ser mantidos, afirma Gilberto Occhi

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