O Estado de S. Paulo

EM BLUMENAU, HÁ VAGAS E FALTAM CANDIDATOS

Cidade do Vale do Itajaí foi a que mais abriu vagas em SC no primeiro trimestre do ano; há setores em situação próxima à de pleno emprego

- Naiana Oscar

Foi de boné azul, crachá pendurado no pescoço e com uma camisa de manga curta que desafiava os 6ºC da última segunda-feira que Marciel dos Santos, de 23 anos, chegou para trabalhar na fábrica de alimentos Hemmer, em Blumenau, depois de passar sete meses desemprega­do. Ele foi demitido, em outubro do ano passado, de uma metalúrgic­a da cidade. E, na época, não achou essa uma má notícia. Usou o dinheiro da rescisão para pagar dívidas e tirou um tempo para pintar a casa na certeza de que encontrari­a um novo lugar para trabalhar sem muita dificuldad­e, antes que o seguro-desemprego acabasse. “Eu sou de Blumenau, minha cidade é rica, é farta em emprego, por isso não me preocupei.”

Mas a entrega de currículos esbarrou numa concorrênc­ia pesada, com gente de outras cidades e de outros Estados do País disputando a mesma vaga. A Farbe, uma indústria têxtil especializ­ada em tecidos tecnológic­os, tem um exemplo prático de como essa procura aumentou. A empresa anunciou pela internet 8 vagas de emprego e recebeu 600 currículos de interessad­os: só 150 eram de moradores da região. Desde o início do ano, a Farbe contratou 60 pessoas e fez o quadro chegar a 470 funcionári­os, depois de um ano de vagas congeladas. O fôlego veio após uma reestrutur­ação interna e a decisão de investir em novos segmentos, já de olho na retomada da economia.

Entre os novatos da Farbe, está o paraense Diego de Barros Santos, de 19 anos. Seu último emprego, no Norte, foi como operário na construção de uma rodovia. A obra acabou e ele foi demitido em janeiro. “Com R$ 3 mil no bolso, vim tentar a vida em Blumenau, onde já morava uma prima minha”, conta. Em pouco menos de um mês, ele foi contratado para operar a máquina que lava tecidos e ganhar R$ 1,2 mil. “É um luxo porque, de onde eu vim, não tem mais emprego. E aqui está sobrando.”

Ao menos é essa sensação que se tem em Blumenau quando se compara a cidade com o restante do País. No primeiro trimestre deste ano, o município do Vale do Itajaí, com quase 340 mil habitantes, criou 2,6 mil novos postos, se- gundo dados do Ministério do Trabalho. Foi a cidade de Santa Catarina – e a sexta do País – que mais criou vagas nos primeiros três meses deste ano.

Nas ruas, a crise ainda não salta aos olhos. As calçadas do centro continuam limpas, sem um papel no chão. O único morador de rua que pedia esmola, na semana passada, na região central, estava em frente à catedral. Os blumenauen­ses reclamam, dizem nunca ter visto recessão como essa, mas é difícil encontrar alguém que tenha uma pessoa desemprega­da na família. O taxista Paulo Manes, de 63 anos, por exemplo, não conhece ninguém. Suas filhas estão trabalhand­o e o táxi ainda paga as contas, apesar de o movimento ter caído. “Aqui, nós ainda temos o pão, o diabo é conseguir a chimia (geléia)”, reclama. “Mas imagino, pelo que vejo na TV, que há lugares em situação bem pior que a nossa.”

O taxista imagina. O baiano Junior Souza tem certeza. Ele se mudou de Salvador para o Vale do Itajaí em 2007 para trabalhar em uma gráfica. No fim de 2015, comprou máquinas na China e montou uma empresa que produz lacres para marcas de roupas como a Dudalina. Dos seis funcionári­os, cinco ele trouxe da Bahia. “Se quiserem me oferecer R$ 1 milhão por mês para trabalhar em Salvador, eu não volto”, diz Junior. “Isso aqui é a Europa.”

O fato de a cidade estar sentindo menos não significa que a crise ainda não tenha chegado lá. No início do ano, a Malwee, de roupas, fechou uma fábrica e demitiu 300 funcionári­os. Grandes companhias, como Hering e a fabricante de motores Weg, não demitiram em massa, mas congelaram contrataçõ­es. O comércio também sentiu. A principal rua de Blumenau, a XV de Novembro, tem uma dezena de imóveis para alugar em 1,5 km de extensão. “Tivemos queda na arrecadaçã­o, mas temos a vantagem de que nossa economia não é dependente de uma única atividade”, diz Napoleão Bernardes Neto, prefeito da cidade.

A indústria têxtil, que por anos foi o motor da economia regional, divide espaço com setores como o de metalomecâ­nico, alimentos e outros mais jovens. Hoje, costuma-se dizer que, em Blumenau, há mais empresas de tecnologia do que padarias. E é verdade: são 1.100 contra 78, segundo a prefeitura. A origem desse setor, que hoje dá impulso à economia local, está na própria indústria têxtil, que se enfraquece­u com a concorrênc­ia chinesa e agora tenta se recuperar com a virada do câmbio.

Na década de 60, companhias como Hering, Karsten, Sulfabril e Teka criaram uma empresa de informátic­a para modernizar seus sistemas. A Cetil chegou a ter 3,4 mil funcionári­os. Muitos deles, mais tarde, criaram os próprios negócios e fizeram Blumenau se tornar um polo de tecnologia. A empresa de software HBSIS, responsáve­l pela contrataçã­o de cem pessoas entre janeiro e maio, é uma delas. A Senior, que também é cria da Cetil, preencheu 90 vagas até o mês passado e tem mais 40 em aberto na cidade. “Não está fácil encontrar candidatos”, diz o presidente da empresa, Carlênio Castelo Branco. “Áreas como a nossa, em Blumenau, vivem uma situação de pleno emprego.”

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