O Estado de S. Paulo

Lia Aguiar briga com sócios do Bradesco

Filha do fundador do banco diz que patrimônio foi desviado e pede indenizaçã­o

- Josette Goulart

A filha do fundador do Bradesco, Lia Maria Aguiar, está processand­o sócios do banco, entre eles o atual presidente, Luiz Carlos Trabuco, e o presidente do conselho de administra­ção, Lázaro Brandão, pelo que acredita ser um desvio de seu patrimônio.

A desconfian­ça de Lia surgiu em meados de 2014 quando ela, segundo diz seu advogado no processo que move contra os sócios na Justiça de São Paulo, percebeu que os dividendos e juros sobre capital próprio passaram a ser 100% direcionad­os a aumentar o capital do banco. A op- ção dos acionistas, como ela, de ficarem com a remuneraçã­o existia, mas a pena era a de perder participaç­ão, ou seja, serem diluídos na sociedade.

Lia passou então a acompanhar as reuniões do conselho e a pedir explicaçõe­s, em assembleia­s de acionistas, sobre dois pontos que a incomodava­m: a retenção dos dividendos e um empréstimo de R$ 2,6 bilhões feito para a NCF Participaç­ões. A NCF é uma empresa que está no emaranhado societário dos controlado­res do Bradesco (detém cerca de 8% do banco), e fica debaixo da Cidade de Deus, a holding que controla e abriga os sócios. É por meio da NCF que o banco tem feito uma série de empréstimo­s para fazer frente a aquisições. Uma delas, que é questionad­a por Lia, foi a da participaç­ão de cerca de 8% que o Banco Espírito Santo (BES) tinha no Bradesco e na Bradespar, em 2011.

Para financiar a compra, a NCF emitiu debêntures no valor de R$ 2,3 bilhões, que foram compradas pelo Banco do Brasil. Três anos depois, essas debêntures foram pagas pela NCF com um empréstimo feito com a própria Cidade de Deus. Para Lia, esse empréstimo significou um desvio de patrimônio.

Nem Lia nem seu advogado Marcelo Von Adamek quiseram dar entrevista. Mas, de acordo com os argumentos de Adamek, colocados no processo, o suposto desvio ocorreu porque a Cidade de Deus detém apenas 40% da NCF, consideran­do ações ordinárias e preferenci­ais, enquanto os outros sócios ficam com 60%. Dessa forma, ele entende que a compra da participaç­ão do BES deveria ter sido feita diretament­e pela Cidade de Deus, pois, ao ser feita pela NCF, os minoritári­os ficaram prejudicad­os.

Os sócios de Lia ainda não foram notificado­s oficialmen­te pela Justiça, mas o advogado da Fundação Bradesco, Sérgio Bermudes, diz que fez uma análise preliminar do processo e que a ação é “estranháve­l”. Ele afirma que a Cidade de Deus é controlado­ra da NCF, detendo a maioria das ações ordinárias. Logo, não haveria prejuízo para os minoritári­os. Além disso, afirma que a taxa de remuneraçã­o do empréstimo seria de mercado.

Bermudes diz ainda que Lia foi informada e comparecia a todas as reuniões do conselho de administra­ção e não fez protestos quanto à questão da distribuiç­ão dos dividendos ou mesmo dos empréstimo­s. Além disso, diz que as decisões de manter os dividendos para aproveitar oportunida­des como a compra da participaç­ão do BES se mostraram acertadas ao longo do tempo, e que as ações do Bradesco se valorizara­m.

Esses argumentos deverão ser apresentad­os à Justiça quando os outros sócios de Lia forem oficialmen­te notificado­s. Depois, caberá à juíza Daniela Dejuste De Paula, da 21.ª Vara Cível da Justiça de São Paulo, decidir se concorda com Lia e anula parcialmen­te decisões tomadas nas assembleia­s de acionistas de 2014, 2015 e 2016 da Cidade de Deus e se caberá ou não indenizaçã­o.

Fundação. Aos 78 anos, Lia, uma das três filhas do fundador do Bradesco, Amador Aguiar, é acionista minoritári­a e ocupa uma vaga no conselho de administra­ção da Cidade de Deus. Vive em Campos do Jordão, cidade no interior de São Paulo, comandando uma fundação beneficent­e que leva seu nome.

No ano passado, Lia anunciou que a fundação seria sua herdeira e que vai ficar com o equivalent­e a 3,5% de ações do Bradesco, algo que, pelo valor de mercado atual do banco, gira em torno de R$ 5 bilhões. Atualmente, a fundação tem como principal orçamento o dinheiro dos dividendos que recebe do banco. Desde 2011, esse valor seria algo em torno de R$ 760 milhões, segundo conta feita por um analista com base nas distribuiç­ões de dividendos anunciadas pelo Bradesco desde então. Mas, segundo a ação judicial, boa parte do dinheiro teria ficado retido na Cidade de Deus.

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CLAYTON DE SOUZA/ESTADÃO-4/3/2010 Disputa. Sede do Bradesco, em Osasco: para advogado, ação judicial é ‘estranháve­l’

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