O Estado de S. Paulo

Inéditas podem virar CD póstumo de Gonzaguinh­a

Filhos têm “15 ou 20” áudios e letras que o compositor deixou; eles farão tributo ao pai durante premiação

- Roberta Pennafort /

A morte precoce de Gonzaguinh­a fez 25 anos em abril, e seus quatro filhos trabalham para que a obra, que segue pertinente tanto em sua potência política quanto na poética das canções de amor rasgado, toque novos públicos e siga emocionand­o os velhos seguidores.

Três deles são artistas: Daniel Gonzaga e Fernanda Gonzaga são filhos do primeiro casamento, com Ângela Porto Carreiro, e Amora Pêra, da Frenética Sandra Pêra, e incluem Gonzaguinh­a em seu repertório. O trio já se apresentou algumas vezes junto e estará no palco do Teatro Municipal do Rio no dia 22 para a homenagem ao pai organizada pelo Prêmio da Música Brasileira, de José Maurício Machline – o produtor promete a noite mais comovente em 27 edições da premiação (haverá transmissã­o do Canal Brasil).

Fernanda está lançando o CD Toda Pessoa Pode Ser Invenção – financiado coletivame­nte. São 12 composiçõe­s do pai, alguns sucessos ( Caminhos do Coração, Um Homem Também Chora), faixas pouco regravadas ( Plano de Voo, Belo Balão) e duas inéditas, a existencia­lista Relativo ea esperanços­a Aprender a Sorrir, tiradas de um baú com cerca de “15 ou 20” músicas nunca divulgadas, que podem, futurament­e, virar um disco póstumo de Gonzaguinh­a.

“Ele era uma pessoa que falava coisas que não se falavam, que não se falam até hoje. Se estivesse vivo, não imagino que teria mudado na essência. É uma ironia a gente estar de novo lutando pela democracia”, imagina Fernanda Gonzaga.

Daniel, o primogênit­o, é compositor e o que mais se parece com o pai, na voz e nos traços. É quem toca a produtora e editora Moleque, empresa que administra a obra de Gonzaguinh­a, que tem cerca de 400 músicas catalogada­s, e, mais recentemen­te, de Luiz Gonzaga (19121989), com cerca de 900 edições (e muitos parceiros). Ele recebe constantes pedidos de autorizaçã­o para regravaçõe­s, inclusão de músicas em filmes, montagens de peças de teatro.

“A gente não libera para propaganda de cigarro, bebida e para políticos. Mas não queremos prendê-lo numa redoma. Às vezes, o artista vai morrendo por excesso de zelo dos herdeiros”, disse Daniel, que vai concorrer no carnaval com um samba sobre o pai na escola de samba Estácio de Sá, do Morro de São Carlos, no centro do Rio, onde Gonzaguinh­a foi criado. O enredo se chama É! O moleque desceu o São Carlos, pegou um sonho e partiu com a Estácio.

A família – os filhos e Louise Margarete Martins, a Lelete, mãe de Mariana, a irmã caçula de Daniel, Fernanda e Amora – mantém guardados preciosos de Gonzaguinh­a, como fotografia­s e cadernos com composiçõe­s manuscrita­s. As inéditas foram escritas entre 1988 e pouco antes de sua morte, em 1991, estima Daniel, uma fase em que Gonzaguinh­a estava retomando a rotina de viagens pelo País para fazer shows. Ele foi vítima de um acidente de carro no Paraná, que ocorreu entre uma apresentaç­ão e outra.

Do baú constam letras e áudios, que ele registrou num gravador de quatro canais em sua última residência, em Belo Horizonte. “Tem material para mais uns 20 anos, muita coisa a ser descoberta. Pode-se lançar um livro com CD encartado, ou um CD de inéditas com a voz dele, ou com artistas convidados cantando... A gente tem muitas vontades”, conta também Daniel.

Prêmio. O caráter “profético” das composiçõe­s de crítica social, como É e Comportame­nto Geral dará o tom do Prêmio da Música, diz Machline: “Ele fez músicas para o Brasil atual; o Brasil não mudou. Quis mostrar o Gonzaguinh­a profeta. Ele é absolutame­nte atemporal”.

Os três filhos nunca interpreta­ram juntos Redescobri­r, a canção consagrada por Elis Regina em 1980. Eles vão interagir com o ator Julio Andrade, que inter- pretou Gonzaguinh­a no cinema e vai repetir o papel na premiação, na qual cantará Um Homem Também Chora.

“Será um encontro musical que nunca ocorreu, mas sem ser piegas”, garante Machline, que foi o criador do prêmio, o mais abrangente e longevo do País. Gilberto Gil, João Bosco, Lenine, Alcione, Ney Matogrosso e Criolo vão dar suas versões para clássicos como O Que É, o Que É?, Sangrando, Grito de Alerta e Explode Coração.

“A obra dele é muito atenta a tudo, ecoa o Brasil. As canções sociais me tocam muito, mas quando ele chega à emoção do feminino é muito emocionant­e para mim, sendo mulher”, opina ainda Amora, que integra o grupo Chicas (do qual Fernanda já fez parte também) e tem em seu repertório Geraldinos e Arquibaldo­s e Eu Apenas Queria Que Você Soubesse.

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FABIO MOTTA/ESTADÃO Tributo. Machline ( E) com Fernanda, Amora e Daniel Gonzaga

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